Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, outubro 15, 2006
JOSEPH E. STIGLITZ Corrompendo a luta contra a corrupção
Em seu recente encontro anual, os diretores do Banco Mundial falaram muito sobre corrupção. Preocupação compreensível: se o dinheiro que o banco empresta a países em desenvolvimento acaba em contas secretas ou financia estilos de vida luxuosos de alguns empreiteiros, isso acaba deixando os países mais endividado, não mais prósperos.
James Wolfensohn, ex-presidente do banco, e eu recebemos geralmente crédito por termos posto a corrupção na agenda do Bird, contra opositores que consideravam a corrupção uma questão política, não econômica, e portanto fora do âmbito do banco.
Nossa pesquisa mostrou relações sistemáticas entre corrupção e crescimento econômico, o que nos levou a perseguir esse tema crítico.
Mas o Banco Mundial faria bem em manter quatro coisas em mente, ao travar essa luta.
Primeiro, a corrupção assume muitas formas, portanto a luta tem de ser travada em muitas frentes. Não se pode conter o desvio de pequenas quantias em países fracos e pobres e ao mesmo tempo ignorar o desvio maciço de recursos públicos que caracterizou, digamos, a Rússia sob Boris Yeltsin.
Em alguns países, a maior corrupção ocorre principalmente quando contribuições de campanha obrigam políticos a fazerem retribuições aos doadores.
Corrupção em escala menor também é má, mas a corrupção sistêmica de processos políticos pode ter custos maiores. Contribuições de campanha e lobbies que levam à privatização apressada de empresas de serviço público, antes que sejam montadas agências reguladoras, e em processos que limitam o número de participantes nas licitações, podem ser obstáculo ao desenvolvimento, mesmo sem suborno direto de funcionários do governo.
A vida nunca é em preto e branco. Assim como não há receita única para o desenvolvimento econômico, não há uma só política para a luta contra a corrupção. A estratégia precisa ser complexa e diversificada como a própria corrupção.
Segundo, são bonitos os sermões do Banco Mundial contra a corrupção, mas o que importa são políticas, procedimentos e instituições. É verdade que a atuação do banco é vista geralmente como modelo. Alguns países com grandes reservas em dólar, que dificilmente precisariam de créditos do Bird, tomam dele empréstimos a taxas de juros muito mais altas do que são cobradas nos Estados Unidos, por acreditar que assim asseguram que seus projetos sejam de alta qualidade, livres de corrupção, e se tornem padrão em outras áreas.
Mas o sucesso nessa luta exige mais do que procedimentos corretos (evitar, por exemplo, licitações nãocompetitivas).
Muitas outras políticas devem ser adotadas para reduzir incentivos à corrupção. Por exemplo, alguns sistemas tributários resistem melhor à corrupção do que outros, porque limitam os poderes dos funcionários do Fisco.
Terceiro, a responsabilidade básica do Banco Mundial é combater a pobreza, o que significa que, no caso de corrupção num país pobre, o desafio é como assegurar que seu próprio dinheiro chegue aos projetos e às pessoas que os necessitam.
Em alguns casos, isso implica dar assistência por meio de ONGs. Dificilmente a melhor saída será simplesmente desistir da ajuda.
Finalmente, embora os países em desenvolvimento devam assumir responsabilidade pela erradicação da corrupção, os ricos podem ajudar muito. No mínimo, esses países e suas empresas não devem ser cúmplices. Todo suborno que alguém recebe é pago por alguém, freqüentemente uma empresa de algum país industrializado.
De fato, uma causa da chamada “maldição dos recursos naturais” — o fato de que países ricos em recursos não costumam se sair tão bem quanto os pobres em recursos — é a prevalência da corrupção, muitas vezes ajudada por empresas que querem comprar barato os recursos. Os Estados Unidos, sob o presidente Carter, fizeram uma importante contribuição ao impor a legislação sobre práticas corruptas no exterior, que tornou ilegal o suborno praticado por companhias americanas em qualquer parte do mundo. A Convenção sobre Suborno da OECD foi outro passo na direção correta. Tornar transparentes todos os pagamentos a governos traria mais progressos, e os governos ocidentais podiam ajudar simplesmente vinculando essa exigência à possibilidade de fazer deduções tributárias.
É igualmente importante abordar a questão do sigilo bancário, que facilita a corrupção ao proporcionar a ditadores corruptos um abrigo seguro para seu dinheiro. Em agosto de 2001, pouco antes do ataque terrorista aos EUA, o governo americano vetou uma proposta da OECD de limitar contas bancárias secretas. Embora desde então o governo tenha revertido sua posição no que se refere às contas de terroristas, não o tem feito no tocante a funcionários públicos corruptos. Uma postura firme do Banco Mundial lhe reforçaria a credibilidade na guerra contra a corrupção.
Os que criticam a posição do banco não o fazem porque sejam favoráveis à corrupção. Alguns críticos se preocupam com a corrupção da própria agenda contra a corrupção: temem que a luta será usada como disfarce para cortar ajuda a países que incomodam o governo americano. Tal preocupação encontra eco na aparente incongruidade dos duros discursos do banco sobre a corrupção e seus planos simultâneos de ampliar os empréstimos ao Iraque. Ninguém estará disposto a certificar que o Iraque está livre de corrupção — ou mesmo tem um baixo grau de corrupção em termos internacionais.
As críticas mais estridentes, no entanto, vêm dos que temem que o Banco Mundial esteja saindo de seu âmbito de ação. É claro que o banco deve fazer tudo que pode para garantir que o dinheiro seja bem gasto, o que significa combater tanto a corrupção quanto a incompetência.
Mas o dinheiro em si não resolverá todos os problemas, e o foco único na luta contra a corrupção não trará o desenvolvimento. Pelo contrário, poderá meramente desviar a atenção de outras questões não menos importantes para os que fazem esforços para escapar da pobreza.
JOSEPH E. STIGLITZ é economista. © Project Syndicate.
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