Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 24, 2006

Dora Kramer - No traçado do inimigo



O Estado de S. Paulo
24/10/2006

Semana final de campanha, eleição praticamente definida, uma dúvida se apresenta: e se José Serra fosse o candidato da oposição, o resultado seria o mesmo, o presidente Luiz Inácio da Silva teria um favoritismo assim tão acentuado? Talvez sim, mas caso Serra tivesse, como Geraldo Alckmin, conseguido passar para o segundo turno, certamente o PT não poderia, contra ele, adotar o mesmo tipo de estratégia com a qual pôde traçar do adversário o perfil que lhe foi mais conveniente.
Pelo simples motivo de que o agora governador eleito de São Paulo já dispunha de prontuário (no bom sentido) próprio junto à população. Verde ou amarelo, torto ou direito, amargo ou doce, amado ou detestado, as opiniões a respeito de Serra são as mais diversas, mas pelo menos existem.
Em relação a Alckmin, porém, quase ninguém fora de São Paulo sabia coisa alguma. E, convenhamos, no dia 1º de outubro a grande maioria continuava sem saber muito além de que é médico nascido em Pindamonhangaba, herdeiro político de Mário Covas, que construiu 19 hospitais, tirou 70 mil bandidos das ruas e baixou impostos em São Paulo.
Sobre suas qualificações específicas para presidente, quase nada além da figura de porte confiável, linguagem correta, vocação para gerente e compreensão pelos anseios dos jovens por mais trabalho, saúde e educação de qualidade.
Quem votou nele - e foram muitos mais além do esperado e do registrado nas pesquisas - não o fez por aqueles atributos, mas por desejo de ver Lula fora da Presidência da República ou, senão, de levá-lo disputar um segundo turno de modo a reduzir um pouco o nível de onipotência no sangue.
Até então o PT havia menosprezado o adversário, preferindo concorrer com o fantasma de Fernando Henrique Cardoso. Entrou na etapa final, entretanto, fazendo oNa ausência que o PSDB não fez nos preparativos da disputa com Lu-de perfil la: construiu um personagem

marcante, de perfil bem definido.
Carrasco dos pobres, ven-PT fez de dilhão do patrimônio nacional, exterminador de direitosAlckmin trabalhistas, tudo o que foi dito a respeito de Alckmin naso personagem últimas duas semanas mereque bem quis ceu crédito de boa parte do eleitorado.
Foram inúteis, por tardias, as negativas. Inócuas também as tentativas algo pueris de fixar uma idéia - como a pose vestindo boné e jaqueta de empresas estatais para "provar" seu apreço a elas.
O estrago fez-se no vácuo. Se alguém disser hoje que o candidato tucano pretende acabar com o 13º salário no dia seguinte à posse na Presidência, o caro leitor não tenha dúvida, soará verossímil aos ouvidos menos avisados.
E, por desavisados, entenda-se a maioria que não foi devida e competentemente comunicada a respeito de quem é mesmo Geraldo Alckmin. O PT percebeu a lacuna e preencheu o livro em branco de acordo com suas conveniências eleitorais.

Voz corrente
A campanha de Lula aproveitou bem a falta de senso de oportunidade de Geraldo Alckmin ao dizer, sem se preparar estrategicamente para fazê-lo, que se Lula for reeleito seu governo "acaba antes de começar".
Alckmin foi criticado até por seus correligionários que, no particular, dizem a mesma coisa. Entre os partidários da tese, um dos mais convictos é o governador eleito de São Paulo, José Serra.

Fome infinita
O PMDB vai brigar pela presidência da Câmara, invocando a primazia por ter feito a maior bancada. Quer a presidência do Senado também, mas ainda está na dependência de conquistar algumas adesões e do PFL perder uma vaga, no caso de Roseana Sarney ser eleita governadora do Maranhão ou se, derrotada, virar ministra.
O partido pretende recompensa substanciosa se Lula for reeleito e, além, de ministérios de bom instrumental político e influência no eixo central de poder, reivindica assento no Palácio do Planalto.
A articulação política ou a secretaria-geral estariam de bom tamanho sob a ótica pemedebista de que serão eles e não os petistas as figuras preponderantes do segundo mandato de Lula.
O PT tem feito crer ao PMDB que agora o respeita, não o vê mais como uma federação de interesses fisiológicos.
Sendo conveniente o afago, os pemedebistas acreditam.
Pragmática, nunca piamente.

O conselheiro
Se mantiver seus planos de pé, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, volta mesmo a dar expediente como advogado em São Paulo a partir de janeiro de 2007 e, sendo Lula ainda presidente, assume formalmente o papel de conselheiro do governo para o departamento de complicações jurídico-policiais.
Thomaz Bastos pretende freqüentar Brasília dois dias por semana. Além disso, quer, e vai, influir na escolha do seu sucessor no ministério. Suas opções são Sérgio Renault, ex-secretário da reforma do Judiciário e atual subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, ou um ex-ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, quesito no qual já se enquadra Nelson Jobim e virá a se enquadrar Sepúlveda Pertence.

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