Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 12, 2006

CELSO MING O choque Nakano

celso.ming@grupoestado.com.br

O efeito mais importante das propostas de mudança da política econômica apresentadas terça-feira pelo professor Yoshiaki Nakano (foto), da Fundação Getúlio Vargas, foi ter inaugurado, ainda que por linhas tortas, o debate sobre política econômica, tema sumido da campanha eleitoral.

Nakano, que foi um competente secretário da Fazenda do governo Covas, está carregado de razão quando identifica o desequilíbrio das contas públicas como principal fonte de instabilidade da economia. O resto é um aglomerado de propostas polêmicas ou mal explicadas.

A idéia mais desastrada foi a defesa da desvalorização cambial na condição de integrante da equipe de formulação econômica do candidato Geraldo Alckmin. Qualquer mudança de política cambial não se anuncia; simplesmente, se põe em prática. Se Alckmin for eleito presidente da República e Nakano chamado a ocupar alto cargo na equipe econômica, o mercado entenderá que a hora será de encher a gaveta de dólares e de apostar dinheiro pesado na recuperação das cotações do câmbio. Não se neutraliza esse efeito apenas com uma afirmação descolada de que se trata de uma posição pessoal.

Nakano sustenta que 'o câmbio está fora do lugar' e que é preciso efetuar uma desvalorização do real para devolver competitividade à economia brasileira. São afirmações que precisam de demonstração, mesmo que a percepção geral do setor produtivo seja a de que 'com esse câmbio não dá'.

Ainda que 'fora do lugar', esse câmbio reflete um superávit comercial de US$ 46 bilhões por ano, um saldo positivo de US$ 13 bilhões na balança de transações correntes e um avanço das reservas externas de US$ 54 bilhões para US$ 75 bilhões em apenas nove meses.

É altamente discutível se uma desvalorização cambial, como quer Nakano, colocaria o câmbio 'no lugar'. Se, por um truque qualquer, o dólar saltasse, por exemplo, para R$ 2,50, as exportações ficariam ainda mais competitivas, as importações ficariam 16% mais caras em reais do que são hoje e o saldo comercial saltaria, digamos, para US$ 55 bilhões por ano. Sobrariam ainda mais dólares na praça e as cotações do câmbio voltariam a afundar.

Nakano tem uma idéia de como evitar essa rabeada. Defende a criação de um fundo de estabilização cambial administrado pelo Tesouro que se encarregasse de comprar os dólares excedentes e de manter a competitividade do câmbio. Faltou dizer de onde o Tesouro tiraria R$ 100 bilhões por ano para comprar sobras de US$ 40 bilhões.

Outra proposta polêmica seria a instituição de mecanismos temporários que controlassem a entrada de capitais. Não ficou claro se, na concepção de Nakano, o Banco Central se postaria à porteira para decidir qual boi poderia passar para o lado de cá ou se esse efeito seria produzido por meio da política monetária, como chegou a afirmar. Mas, nesse caso, seria difícil obter um efeito apenas temporário. Seja como for, esquemas de controle do fluxo de capitais são de baixa eficácia.

No ano passado, Nakano foi o primeiro economista a advertir que a economia brasileira sofre de doença holandesa. É o diagnóstico de que a forte elevação dos preços das matérias-primas aumenta as receitas com exportações e, assim, inunda o mercado com dólares e derruba as cotações do câmbio. A novidade é a troca de diagnóstico. Nakano agora entende que o problema não está no excesso de receitas com exportação de commodities, mas no excesso de entrada de capitais especulativos. No entanto, a conta de capitais não acusa entrada líquida relevante de recursos financeiros especulativos que pudessem ser barrados.

Outra proposta polêmica é o choque fiscal correspondente a cerca de 3,4% do PIB (cerca de R$ 60 bilhões por ano) em cortes adicionais de despesas do setor público. Ainda que isso não se obtivesse de uma hora para outra, seria preciso apontar onde cortar. Os especialistas em Contas Públicas duvidam que isso seja possível e, se fosse, poderia provocar enorme recessão.

Finalmente, cabe perguntar se, garantida uma boa dose de austeridade, o efeito desejado por Nakano não poderia ser obtido sem trancos e sem as truculências sugeridas. Se os juros continuarem caindo consistentemente, o crédito aumentará e o consumo virá atrás. Mais consumo puxará pelas importações que, por sua vez, ajudarão a reequilibrar o câmbio sem intervencionismos...

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