Celso Ming
Em entrevista publicada quinta-feira no jornal O Globo, o presidente Lula (foto) defendeu uma reforma da Previdência que mude o fato gerador da contribuição: 'É preciso, urgentemente, cobrarmos a Previdência sobre o faturamento, e não sobre a folha de pagamento, porque vamos gerar muito mais emprego com isso', disse Lula.
É uma proposta que traz mais problemas do que solução e parece demonstrar que o presidente não sabe o que fazer para tirar a Previdência Social da encalacrada.
Pelo complemento dado à proposta ('porque vamos gerar muito mais emprego com isso'), Lula parece ter entendido que a contribuição para a Previdência é obstáculo para a criação de empregos formais: o empregador prefere pagar salários 'por fora' porque não quer ou não pode arcar com sua parcela de contribuição.
Isso não deixa de ser verdade, mas sugere que Lula esteja mais preocupado com o aumento do emprego formal do que com a cobertura do rombo. Cobrar sobre o faturamento criaria mais uma contribuição cumulativa ('em cascata') que tiraria competitividade do produto brasileiro aqui e lá fora, derrubaria a produção e o emprego - e não o contrário.
Veja o que aconteceria com um par de sapatos se esse regime estivesse em vigor. A cobrança sobre o faturamento começaria quando o pecuarista formasse o pasto para criar o boi. Ele pagaria mais na compra do trator, do óleo diesel e da semente de capim, porque cada vendedor desses produtos teria sido obrigado a pagar a contribuição sobre seu faturamento e a descarregar o custo sobre o preço.
Isso não pararia aí. Quando vendesse o garrote para o invernista, o criador estaria faturando e, portanto, recolhendo INSS; quando repassasse para o frigorífico, o invernista não venderia apenas boi gordo, mas boi engordado com o INSS. Em seguida, o produto seria sucessivamente carregado de contribuições: quando fosse para o curtume, para o calçadista, para o atacadista, para a loja. Quando chegasse ao consumidor, o par de sapatos seria um aglomerado de INSS.
Como o produto importado não viria com essa anomalia, sairia mais barato para o consumidor. Quando o calçado brasileiro chegasse ao mercado externo teria de concorrer com o produto de outras procedências, todos eles livres de INSS. E então, ficaria claro, a exportação levaria outra paulada.
Ao contrário do que Lula está dizendo, cobrança de contribuição sobre faturamento seria estímulo ou à informalidade ou à excessiva integração de empresas do mesmo grupo (para que não houvesse faturamento entre elas).
No primeiro caso, o nome do jogo seria subfaturar. Aí os voluntaristas da hora diriam que para enfrentar coisas assim foi inventado o fiscal, o que é certo. Só é preciso saber quem é que daria conta de tanta fiscalização. No outro, melhor seria para a Volkswagen, por exemplo, produzir o máximo de peças dos carros que fabricasse, para que não tivesse de pagar INSS se viessem dos fornecedores.
As aberrações não terminam por aí. Um colossal número de empregadores não tem faturamento, como bancos, seguradoras, donas de casa (que pagam a contribuição da empregada doméstica).
Outras empresas, se tivessem de pagar contribuição sobre o faturamento, perderiam competitividade. Imagine mineradoras, empresas de petróleo, agências de publicidade, administradoras de cartões de crédito, planos de saúde, empresas de transporte aéreo, companhias de telefonia - todas tendo de pagar porcentagem sobre seu faturamento e a descarregar esse novo custo sobre preços e tarifas.
E tem a questão da margem. Um dos segredos da produtividade é escala de produção. Uma grande rede de supermercados tem um movimento milhares de vezes maior do que uma mercearia de bairro. É o que permite a derrubada dos preços, que podem chegar a ser de apenas 3% ou 4% sobre o preço pago ao fornecedor. Cobrar a mesma alíquota de INSS sobre o faturamento de empresas que operam com margens diferentes implicaria punir a empresa mais eficiente.
O mesmo se pode dizer de empresas que, por sua natureza, funcionam com faturamento alto e retorno unitário baixo, como é o caso de distribuidoras de combustíveis, companhias de gás, companhias telefônicas ou administradoras de rodovias.
O presidente Lula não deve ter pensado dois minutos sobre o que, obviamente, repetiu apenas por ouvir dizer.
celso.ming@grupoestado.com.br