Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 08, 2006

Alberto Tamer Chirac enterra de vez negociação

Alberto Tamer E-mail: at@atglobal.net.

O presidente Jacques Chirac fala muito, fala demais, às vezes ninguém liga, mas, na quinta-feira, ele foi sério e categórico. Diante de tantas tentativas estéreis de renascer a Rodada Doha, do alto de sua presidência do país mais protecionista do mundo, Chirac jurou o compromisso da França: 'Nenhum subsídio será cortado até 2013.'

Não só isso, qualquer transição eventual nesses sete anos será lenta e debatida. Ponto por ponto, vírgula por vírgula. Nada que afete a França, absolutamente nada, será aprovado, como se a sua riquíssima subsidiada agricultura estivesse à beira da miséria.

Essa declaração, feita aos seus colegas da comunidade, é considerada, em Bruxelas, como final e definitiva. Joga por terra a tese da Comissão Européia de Política Agrícola Comum de aceitar algumas mudanças graduais para que a reforma prevista para 2013 não fosse tão dolorosa. A resposta de Chirac acaba com tudo.

Não aceita nenhum corte e muito menos o que eles haviam aceitado como 'período de transição', a fim de que os 'pobres' agricultores franceses se adaptassem às regras de viver com menos subsídio e mais riqueza.

E, para quem ainda pudesse alimentar alguma dúvida, Chirac quase soletrou a frase: 'O financiamento da Política Agrícola Comum não pode ser colocado em questão antes de 2013.' Reúnam-se se quiserem reunir-se, discutam, dialoguem, mas nada muda.

ELE ESTÁ INCOMODANDO

O pretensioso presidente francês já está até incomodando alguns colegas, que reconhecem ser necessário modernizar não só a agricultura, mas toda a Europa, que se alarga, incorporando países mais pobres, se atrasa e vai ficando para trás.

Tony Blair, na Inglaterra - de longe o mais lúcido de todos -, já mostrou que não concorda com Chirac e que os subsídios estão ultrapassados. Para ele, os recursos deveriam ser usados na transformação da Europa em uma região mais competitiva no setor de tecnologia e de ciência. Para este Tony Blair, excelente socialista esclarecido - excelente mesmo! -, o dinheiro que se gasta subsidiando uma agricultura que só é competitiva com o dinheiro do governo e generosidades do século passado deveria ser melhor aproveitado. Afinal, há safras imensas em todos os países e os custos de produção agrícola europeus, por causa principalmente da mão-de-obra e do valor da terra, contradizem qualquer política econômica.

A EUROPA É AGRÍCOLA

Muitos outros pensam assim, mas para todos o presidente Chirac reafirmou de forma definitiva na semana passada: 'Digo isso com convicção: a Europa foi construída com base na agricultura. E, portanto, precisa manter a agricultura no centro das ambições européias'. Um silogismo manco, pois deixa de lado que a economia mundial está mudando e que o panteão de Napoleão - o herói que transformou uma revolução libertadora em uma ditadura e jogou a Europa em guerras sangrentas - já é apenas uma curiosidade turística.

O leitor deve estar discordando da coluna. Afinal, Chirac preside uma grande potência, não é um tolo qualquer. Deve ter algum motivo para discordar dos seus colegas! Não é nenhum 'estadista' latino-americano.

Como sempre, o atualizadíssimo correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, tem os dados oficiais da União Européia em mãos para dar a resposta e explicar as causas do heroísmo não-unitário francês.

Europa e Estados Unidos aumentaram os subsídios agrícolas em 2004 em comparação a 2005 enquanto passavam horas divertidas negociando com o Brasil e outros países emergentes fórmulas sobre como deveria ser feita a liberalização do comércio agrícola. Uma farsa deliciosa para eles e uma inocência dos outros, nós, do mais alto grau. Era de dar risada em pleno enterro da Doha.

NEGOCIAM, MAS ENGANAM

E Jamil Chade dá os números oficiais. A Comissão Européia aumentou os subsídios em 11% no ano passado, enquanto nossos amigos americanos registraram um crescimento de ajuda aos fazendeiros em quase 100% entre 2003 e 2005! (2) Os subsídios americanos foram de US$ 19,6 bilhões em 2005, contra US$ 18,6 bilhões em 2004 e US$ 10,2 bilhões em 2003. E isso sem contar outros tipos de auxílios generosos aos agricultores, de tal ordem complexos, que não se classificam como subsídio, mas realmente o são.

A FRANÇA FICA COM TUDO!

E aqui vem a esperteza e a tenacidade de Chirac e dos franceses. Em 2005, dados oficiais da UE apontam que a entidade deu US$ 48,5 bilhões aos seus fazendeiros, 11% acima dos níveis de 2004. 'Desse total de US$ 48,5 bilhões, a França recebeu quase US$ 10 bilhões e restaram, em média, US$ 1,6 bilhão para os outros 24 parceiros da União Européia.'

Daí a frase 'ninguém mexe nos subsídios, puro napoleonismo chiraquiano...

E nós, pobres coitados, ficamos ainda discutindo.

Agora vai realizar-se em Buenos Aires , nos dias 10 e 11, mais uma 'conferência mundial' promovida, não sei por quê, pela tão competente e sempre elogiada OCDE.

Será mais uma coroa no túmulo de Doha, que já está morta, enterrada e pediu para não ser visitada, agora colocada sob o som da Marselhesa em nome da humanidade e dos pobres produtores agrícolas dos países semidesenvolvidos...

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