Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

Aécio Neves fala a VEJA sobre a eleição

"Só voltar a ser
oposição salva o PT"


Otávio Cabral, de Belo Horizonte

Nélio Rodrigues/1º Plano
Aécio Neves: "A pior herança do governo Lula é esse absurdo aparelhamento"

O tucano Aécio Neves, 46 anos, atingiu duas marcas históricas na eleição passada. Além de ser o primeiro governador de Minas Gerais reeleito, obteve 77,03% dos votos válidos, a maior votação da história do estado, o que lhe deu a condição de segundo governador mais bem votado do país, superado apenas por Paulo Hartung, do Espírito Santo, que colheu 77,27% das urnas. Aécio repudia a suspeita de ter feito corpo mole na eleição presidencial, equilibrando-se entre o apoio ao tucano Geraldo Alckmin e uma relação diplomática com o presidente Lula. Diz Aécio: "Lula trouxe a turma da cerveja do sindicato sem se preocupar se ela estava preparada para governar". A seguir, os principais trechos de sua entrevista a VEJA, concedida no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte:

O SENHOR FOI REELEITO COM 77% DOS VOTOS EM MINAS GERAIS, MAS GERALDO ALCKMIN, SEU CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, TEVE SÓ 40% DOS VOTOS DOS MINEIROS. O SENHOR NÃO CONSEGUIU TRANSFERIR VOTOS?
O resultado de Geraldo em Minas foi excepcional. Há cinqüenta dias, a distância dele para Lula era de 50 pontos porcentuais. Com o trabalho intenso que fizemos na campanha, a diferença nas urnas caiu para 10 pontos porcentuais. Chegar a esse resultado, com a presença que Lula sempre teve em Minas, foi uma grande vitória. Certamente, não tenho como prever o futuro, mas, se depender da minha ação, da minha disposição, teremos aqui um grande resultado no segundo turno.

A ELEIÇÃO DE ALCKMIN ATRAPALHARIA SEUS PLANOS PRESIDENCIAIS PARA 2010. POR ISSO, DIZ-SE QUE, PARA EMPENHAR-SE NA CAMPANHA, O SENHOR TERIA NEGOCIADO COM ELE O FIM DA REELEIÇÃO. É FATO?
Geraldo não precisa disso, e isso seria subestimar o meu compromisso. Como Geraldo, acho a reeleição ruim para o país. Pode ser que alguém que tenha compromisso com as instituições democráticas aja dentro de determinado limite, mas amanhã pode haver alguém que ultrapasse o limite. Sou defensor de mandato de cinco anos sem reeleição. Aceito a crítica de que foi nosso governo que tomou a iniciativa de estabelecer a reeleição. Mas ela se mostrou ruim para o país, não devemos permanecer no erro. Independentemente de quem ganhe as eleições, minha posição é essa. Minha e da maioria do meu partido, inclusive do candidato Geraldo Alckmin.

O SENHOR É CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA EM 2010?
Temos de superar essa visão, dos políticos e dos jornalistas, de que quem está na política é obrigado a ter um projeto maior. Digo, com sinceridade, que não tenho. Cheguei ao governo de Minas quando o caminho natural era o Senado. Agora quero transformar Minas em um laboratório de gestão pública para o país, com resultados fortíssimos na área social, sem ter de ser candidato a presidente. É natural um governador de um estado como Minas chegar à Presidência, mas não trabalho pensando nisso.

POR QUE O SENHOR É UM CRÍTICO CONTUMAZ DO PREDOMÍNIO PAULISTA NO COMANDO DO PSDB?
Seria um equívoco primário achar que o PSDB pode ser forte sem ter força em São Paulo. O que digo é que o partido precisa se nacionalizar. Não atribuo a Geraldo seu fraco desempenho no Norte ou no Nordeste, mas à ausência de propostas do PSDB para essas regiões. O PSDB, qualquer que seja o resultado das eleições, tem de fazer uma imersão e se transformar em um grande partido nacional, crescendo em especial no Nordeste.

O SENHOR SEMPRE TEVE UMA BOA RELAÇÃO COM O PRESIDENTE LULA. ACHA QUE ELE NÃO TEM CULPA ALGUMA NESSA CIRANDA DE ESCÂNDALOS?
Mesmo que se acredite que o presidente desconhecia todos esses atos criminosos, ainda assim ele não escapa de uma responsabilidade: a pouca qualificação de seu governo. Não o estou absolvendo, mas a menor condenação é essa. Seu governo não foi focado no mérito. Lula deu doze ministérios a petistas derrotados, porque achava que tinha de chegar com eles ao poder. Meu avô Tancredo tinha uma boa teoria. Nunca chame para trabalhar com você os amigos da cerveja, porque dá errado, e também não chame para tomar cerveja os amigos do trabalho, porque seu fim de noite ficará chato. Lula trouxe a turma da cerveja do sindicato sem se preocupar se ela estava preparada para governar. Infelizmente, o Brasil está pagando o preço desse equívoco. A pior herança do governo Lula, embora seja difícil apontar apenas uma, é esse absurdo aparelhamento da máquina, em todos os níveis e com pessoas pouco qualificadas. Vai demorar mais de um governo para recuperar a qualidade de empresas como Embrapa, Ibama, Petrobras, Banco do Brasil, ocupadas por pessoas que tinham compromisso apenas com um projeto de partido político, não com um projeto de país. O PT usou o governo para perpetuar-se no poder. Foi o grande equívoco. É preciso entender que o governo fez mal ao PT. O PT é um partido com um papel na história da democracia brasileira, mas se perdeu quando chegou ao poder. Para o PT, é hora agora de uma reciclagem na oposição.

QUAL SERÁ O PRINCIPAL DESAFIO DO PRÓXIMO PRESIDENTE?
Não tenho dúvida de que o Brasil precisa viver agora a segunda grande transição. A primeira fizemos há vinte anos, com a passagem do regime militar para a democracia. Agora, é preciso a grande transição dos ricos para os pobres. É a vez da inclusão social. Para chegar lá, precisamos de convergência. Não será possível votar reforma tributária e reforma política sem que alguns atores, em especial PT e PSDB, estejam comprometidos com elas. Quem quer que ganhe as eleições precisará buscar a convergência.

O CLIMA CONFLAGRADO DE CAMPANHA NÃO INVIABILIZOU UM ENTENDIMENTO ENTRE PT E PSDB?
Não pode inviabilizar. Esse deve ser nosso compromisso com o país. Falta generosidade na política. É preciso derrotar o adversário, mas é um erro tentar destruí-lo como a um inimigo.

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