Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 04, 2006

Accountability não é contabilidade (por Lucia Hippolito)

Accountability não é contabilidade (por Lucia Hippolito)

Nas democracias, o governante presta contas de seus atos à sociedade. O presidente dos Estados Unidos dá entrevistas quinzenais na Casa Branca, tendo que enfrentar perguntas às vezes constrangedoras, muitas vezes duras, mas quase sempre leais. Na França, o presidente cumpre o mesmo ritual.


Nos países parlamentaristas, além das entrevistas periódicas, o primeiro-ministro vai semanalmente ao Parlamento, onde é “premiado” com uma saraivada de críticas da oposição, ouve discursos fortes, recebe perguntas sobre seus atos e pedidos de explicação sobre atos de governo. Tudo dentro da mais perfeita normalidade democrática.


Nos Estados Unidos, secretários e titulares de agências do governo comparecem rotineiramente às comissões da Casa dos Representantes e do Senado para responder a perguntas e prestar contas das ações dos órgãos sob sua responsabilidade.


Nos países parlamentaristas, então, nem se fala. Como os ministros saem, praticamente todos, do Parlamento, têm que prestar constas à sociedade, através de seus pares.


O que sustenta este procedimento é a accountability, palavra ainda intraduzível em todo o seu conteúdo.


Accountability contém a idéia de que a autoridade é um servidor público. Eleito ou não, tem que prestar contas de seus atos à sociedade. Ou através de periódicas entrevistas coletivas, ou através de periódicas visitas ao Parlamento. Ou ambas.


(Nos Estados Unidos existe a figura do General Accounting Officer, espécie de presidente de tribunal de contas, a quem todos os secretários do governo prestam contas.)


Autoridades são remuneradas pelo povo. Muitas dormem em palácios pagos com o dinheiro do povo, locomovem-se em automóveis e aviões pagos pelo povo, movidos a combustível pago pelo povo. Alimentam-se às custas do povo.


Devem, pois, satisfação de seus atos.


No Brasil, disseminou-se – e não é de hoje – a noção de que autoridades não precisam prestar contas à sociedade. Sentem-se como se tivessem recebido do eleitorado um cheque em branco. Tudo podem, nada devem.


Ministros “fazem o favor” de comparecer às comissões da Câmara e do Senado para prestar contas sobre sua pasta.


O comparecimento de agentes do governo ao Congresso transforma-se numa batalha campal entre oposição e situação. Oposição querendo extrair o fígado da autoridade, situação prestando-se aos mais ridículos papéis para evitar a saia justa para a Excelência. Papelão!


Governos brasileiros confundem prestação de contas com publicidade. Gastam fortunas em publicidade paga, como se isto bastasse para justificar seus empregos.


Sinto muito, mas não basta. Accountability não é contabilidade das empresas de publicidade.


Accountability é um dos pilares da democracia. De agentes públicos, o mínimo que se espera é respeito ao dinheiro do contribuinte, que paga seu salário e suas mordomias.


Accountability é menos palanque e mais debate, menos pronunciamentos e mais entrevistas, menos portarias ministeriais e mais comparecimento ao Congresso.


Afinal, se uma autoridade não resiste a uma crítica ou a uma palavra mais dura, talvez esteja no cargo errado.


Como se diz no interior de Minas, se não agüenta o calor, que saia da cozinha.

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