Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 17, 2008

O sociólogo que derrubou a violência em Bogotá

O pacificador de Bogotá

Eduardo Knapp/Folha Imagem

"Ao aliar repressão a medidas de cunho social, a mensagem das autoridades aos criminosos é clara: ‘Não vamos sair daqui’. E aos cidadãos: ‘Viemos para melhorar a vida de vocês’"

O sociólogo Hugo Acero, que foi secretário de Segurança de Bogotá, capital da Colômbia, por três administrações municipais consecutivas, é autor de uma façanha e tanto: entre 1995 e 2003, ele conseguiu reduzir em 70% a taxa de homicídios daquela que era então uma das cidades mais violentas do mundo. O número de assassinatos em Bogotá, no período, caiu de oitenta a cada 100.000 habitantes para 23 a cada 100.000 habitantes. Hoje, é de dezoito por 100.000. O sucesso do programa coordenado por Acero se deveu, principalmente, ao fato de ele aliar medidas de repressão a iniciativas de desenvolvimento social. Hoje, Acero é consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na área de segurança. Em visita ao Brasil há duas semanas, ele conversou com a repórter Naiara Magalhães sobre o que funciona e o que não funciona no combate à violência das grandes cidades. Seguem os principais pontos da entrevista.


A FÓRMULA DE BOGOTÁ

Reduzimos drasticamente a violência em Bogotá aliando a aplicação de medidas de repressão aos criminosos a iniciativas de desenvolvimento social das áreas onde eles atuavam. Na esfera repressiva, a principal ação foi investir na polícia: compramos veículos novos, equipamos os policiais com rádios, organizamos cursos de capacitação e construímos 181 unidades menores que, distribuídas de forma racional pela cidade, ajudaram a agilizar o atendimento à população e a evitar que houvesse áreas sem policiamento. Fizemos tudo isso com base no diagnóstico da própria polícia de que grande parte das dificuldades para controlar a criminalidade em Bogotá se devia à falta de infra-estrutura. A essas ações coercitivas, juntamos as medidas sociais: asfaltamos ruas, aumentamos a iluminação, recuperamos praças, construímos escolas e postos de saúde nas áreas mais afetadas pela criminalidade. Aos delinqüentes, as autoridades deixavam muito clara a seguinte mensagem: "Nós não vamos sair daqui". E aos cidadãos: "Estamos aqui para melhorar a vida de vocês".


LEI SECA

Sou da opinião de que o controle dos horários dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas é uma medida altamente eficaz para reduzir a violência. Em 1995, definimos que os bares e casas noturnas de Bogotá tinham de fechar à 1 da manhã. Em um ano, reduzimos o número de homicídios em 8%. O de mortos em acidentes de trânsito diminuiu 15% e o de feridos caiu 11%. Tomamos a medida com base em duas constatações: uma era que a polícia, da meia-noite às 6 da manhã, gastava quase todo o seu efetivo para atender a problemas relacionados a embriaguez: brigas entre pessoas alcoolizadas, bêbados que não pagavam contas em bares, tumultos que atrapalhavam o sono da vizinhança etc. Com isso, não conseguia atender a ocorrências mais graves. A segunda era que havia estreita relação entre o consumo excessivo de álcool e a quantidade de mortes e ferimentos no trânsito. Funcionou. A partir de 2002, estendemos o horário de fechamento dos bares para as 3 horas, e assim é até hoje.


AUMENTO DAS PENAS

É um equívoco achar que o problema da criminalidade se resolve aumentando a pena dos condenados. Na Colômbia, por exemplo, a lei prevê sessenta anos de cadeia para seqüestradores e, apesar disso, ocorriam, até alguns anos atrás, 3 500 seqüestros por ano. O problema não é o tamanho da pena – é que, na maioria dos casos, a lei não é aplicada de forma rigorosa: os criminosos são condenados a penas menores. Além disso, acabam cumprindo somente parte do tempo que deveriam passar na prisão quando se comportam bem ou realizam algum trabalho. Por isso, eu acredito que mais eficiente do que aumentar as penas é discutir uma pena mínima para cada crime, a fim de garantir que um criminoso não saia da cadeia depois de apenas quatro anos, quando deveria ficar pelo menos quinze.

Paulo Vitale
Um das cidades mais violentas do mundo nos anos 90, Bogotá conseguiu reduzir em 70% sua taxa de homicídios


NARCOTRÁFICO

O tráfico de drogas é, atualmente, uma das maiores preocupações dos especialistas em segurança por dois motivos: é um crime globalizado e desencadeia muitos outros crimes. Só o tráfico de cocaína cresceu quase 40% no mundo entre 2006 e 2007. Existem vários motivos para que o tráfico de qualquer droga produza outros crimes. Primeiro, como se trata de um negócio altamente rentável, os traficantes costumam se enfrentar para controlar os territórios uns dos outros. O narcotráfico também produz mortes entre os que se opõem a ele. Na Colômbia, nos anos 90, o então chefe do Cartel de Medellín, Pablo Escobar, decidiu pagar 500 dólares por policial morto. Resultado: em um ano, foram assassinados mais de 300 policiais. Por fim, crimes como furtos e roubos aumentam entre usuários de drogas. As estatísticas mostram que esse tipo de delito cresce à medida que aumenta a distribuição de drogas em determinada região. É só ver o que ocorre em cidades como o Rio de Janeiro, que vive uma situação muito semelhante à de Medellín nos anos 90 – os narcotraficantes controlam os territórios das favelas e a polícia tem muita dificuldade de combatê-los. Nesses casos, não adianta a polícia entrar no morro, prender e matar alguns traficantes e sair, porque em pouco tempo assumem outros mais violentos, mais bem armados e preparados. O que a polícia precisa fazer é dominar a área, permanecer lá e abrir caminho para as medidas de desenvolvimento social.


PCC

É preciso ter cautela para afirmar que o movimento está neutralizado. Pode-se dizer que está sob controle porque não está agindo agora. Mas esses grupos delinqüentes, como PCC, Farc e paramilitares da Colômbia, vivem do narcotráfico. E, enquanto o narcotráfico estiver aumentando, e está, é difícil dizer que eles não voltarão a agir.


ERROS E ACERTOS BRASILEIROS

O Brasil, assim como outros países, erra no combate à criminalidade por dissociar as políticas social e repressiva. Além disso, falta coordenação entre os governos, nas suas diversas esferas, e entre as polícias civil, militar, federal e as guardas municipais. No caso das prefeituras, elas poderiam participar mais das políticas de segurança, cuidando, por exemplo, da iluminação pública nas áreas em que forem detectados altos índices de criminalidade. Por outro lado, as cidades brasileiras que têm mais acertos na segurança pública são justamente aquelas em que as polícias civil e militar trabalham bem juntas, como São Paulo.


MULHERES SÃO MENOS CORRUPTAS

Na Colômbia, para cada dez policiais homens investigados por corrupção ou problemas disciplinares, apenas uma mulher passa por averiguações pelos mesmos motivos. Hoje, elas representam 15% do efetivo da polícia colombiana. Mulheres são menos corruptas e mais disciplinadas.

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