Brasileiras vão à Austrália em busca do paraíso
no romance do holandês Cees Nooteboom
Cristovão Tezza
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As brasileiras são personagens convincentes (apesar dos nomes incomuns entre nós), o que pode surpreender um leitor daqui, habituado aos chavões exóticos com que nos retratam. Mas o sonho que implicitamente acalentam e que vão buscar na Austrália tem raiz num secreto imaginário europeu, há séculos desejando um paraíso que só pode existir fora do tempo e da história, em alguma pureza primordial acessível apenas na essência da natureza ou em culturas pré-urbanas. Os célebres aborígines da Austrália são exemplares prediletos desse mito, o do "selvagem nobre". O tema do paraíso é, assim, o ponto de contato de todos os elementos dispersos do livro. Ele ressurge como o sonho laico de uma cultura que parece ter esgotado o poço de sua transcendência. As andanças de Erik e os projetos de Alma e Almut são os cacos de uma tentativa de devolver alguma dimensão mítica à vida.
Se a vida não oferece sentido, temos de fabricá-lo a todo custo, mesmo que se resuma a um teatro. O crítico Erik também vai à Austrália, e por acaso acaba participando de uma "festa dos anjos" na cidade de Perth – dezenas de atores fantasiados de anjos passam dias escondidos em vários pontos da cidade. Seguindo um roteiro, um curioso grupo de "turistas metafísicos" deve encontrá-los. Um desses anjos é Alma, por quem Erik se apaixona platonicamente. Perdidos num happening de anjos e homens à beira-mar, só voltarão a se ver três anos depois, fechando o livro. As reflexões de Erik no seu diálogo final num trem em Berlim retomam a idéia da busca frustrada do paraíso. Paraíso Perdido, na sua colcha de retalhos, revela-se uma sensível reflexão poética contemporânea, temperada pela melancolia e pelo humor.
Nuvem de violência "Não conduzia ela própria: deixava-se conduzir pelo carro. A ignição falha. (...) O que veio depois se deu tão vertiginosamente que não houve tempo para entrar em pânico, gritar ou fugir. Ela não saberia mais dizer quantos eles eram e, mais ainda que da própria idéia do passeio, recriminava-se do enojante pensamento poético com que falsificaria posteriormente o acontecido a fim de se autopreservar: tratara-se de algo com uma nuvem negra. Uma nuvem negra deslocando-se na direção dela. Ecoaram risos quando lhe arrancaram a roupa do corpo. Desses risos ela jamais se esqueceria." Trecho de Paraíso Perdido |