Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 24, 2008

EDITORIAL OESP - Por que Israel e Síria negociam



Por que Israel e Síria negociam

Remonta ao fracasso da tentativa de tirar o gás do grupo radical xiita Hezbollah, mediante maciços ataques aéreos ao Líbano e incursões ao sul do país, em meados de 2006, a iniciativa do primeiro-ministro israelense Ehud Olmert de pedir ao seu homólogo turco Recep Tayyip Erdogan que intermediasse novas negociações de paz com a Síria, depois que deram em nada os ensaios anteriores de entendimento, em 2000. Irã e Síria, nessa ordem, são os grandes patrocinadores do chamado Partido de Deus, do carismático Hassan Nasrallah, um Estado dentro do Estado libanês, bem como dos radicais islâmicos do Hamas, que controla a Faixa de Gaza, na Palestina, e que, a exemplo do Hezbollah, não aceita a existência de Israel.

Já não sem tempo, Olmert e a sua facção no heterogêneo governo israelense terão se rendido à evidência de que a contenção, para não falar fragilização, do Hezbollah passa pelo enfraquecimento da influência de Teerã em Damasco. Isso, por sua vez, requer a devolução aos sírios das Colinas de Golã, tomadas na guerra de 1967 e anexadas ao Estado Judeu em 1981, no quadro da normalização das relações entre os dois países. Já para o ditador Bashar al-Assad, de 42 anos, reaver o Golã, garantir o acesso sírio ao sistema fluvial do Mar da Galiléia e reaproximar o país do Ocidente carimbariam o seu passaporte para a história. Tanto que ele não se fez de rogado quando o premiê turco lhe transmitiu a oferta de Olmert, nem, depois, ocultou a disposição de dialogar com o inimigo.

Numa dessas ironias carregadas de sentido, os comunicados oficiais de que enviados israelenses e sírios (presumivelmente em Ancara, a capital turca) negociavam a paz por intermédio dos anfitriões foram difundidos na quarta-feira, no mesmo dia em que se anunciou que líderes do governo libanês e do oposicionista Hezbollah, levados a Doha, no Catar, por autoridades de oito países árabes, concordaram em pôr fim a um confronto de 18 meses - com cerca de 80 mortos e 250 feridos, o mais violento desde a guerra civil libanesa encerrada em 1990. A coincidência é significativa porque o acordo foi uma robusta vitória política para as forças do xeque Nasrallah.

O Hezbollah pegou em armas e parou Beirute contra a decisão do primeiro-ministro pró-ocidental Fuad Siniora de enquadrar a ampla rede de telecomunicações do movimento e de desalojá-lo do controle da segurança do aeroporto da capital. Há quem especule que o Hezbollah pôs a tropa na rua em parte para consolidar o seu poder no Líbano antes que sírios e israelenses fizessem as pazes. Se assim foi, deu certo. Pelo acordo de Doha, além da revogação das medidas que inflamaram a organização, ela passará a ocupar 11 dos 30 Ministérios libaneses, terá poder de veto sobre as decisões do Executivo e conservará intactos os seus arsenais, desde que não os utilize "em disputas políticas".

Evidentemente, a conduta de Israel nas conversações por interposta pessoa com a Síria não terá como ignorar esses desdobramentos. Embora a maioria dos israelenses se oponha à devolução do Golã - onde se instalaram mais de 17 mil colonos judeus - e embora setores militares ainda invoquem, anacronicamente na era dos mísseis, a relevância estratégica das colinas, a paz com Damasco se tornou não só fundamental para o Oriente Médio, como urgente. Olmert deu um passo largo nesse sentido, ao desconsiderar as advertências do presidente George W. Bush de que as negociações premiariam a Síria - um dos países do "eixo do mal" que ele quer confinar ao congelador do sistema internacional, depois de descongelar a outrora terrorista Líbia e dialogar com a Coréia do Norte atômica.

Mas o governante judeu é o proverbial "pato manco": enfrenta processos por corrupção, depende da direita religiosa para manter a sua magra maioria no Parlamento e deve provar que a cartada síria não é uma cortina de fumaça para encobrir os malfeitos que lhe atribuem. No fundo, ele e as negociações indiretas na Turquia dependem do tempo - os seis meses que faltam para as eleições presidenciais nos Estados Unidos. Se o sucessor de Bush for o provável candidato democrata Barack Obama, a Paz de Ancara poderá ter uma chance real - com efeitos óbvios para o conflito israelense-palestino e o contencioso libanês.


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