"Se podemos pesquisar embriões, que são uma
forma de vida, mais tarde talvez possamos autorizar
o aborto ou a eutanásia. Ou popularizar a pílula
do dia seguinte, ou legalizar o casamento gay"
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou nota logo depois que o Supremo Tribunal Federal aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias. A nota revela uma vacilação rara na história da CNBB, uma entidade com posições sempre claras e claramente defendidas. Lendo-se os oito parágrafos do texto, fica-se com a impressão de que os bispos não sabiam bem o que dizer e disseram bem mais do que queriam. Vale a pena examinar o texto – o que nos mostrará, no fim, que estamos todos buscando a mesmíssima coisa. A ver.
O trecho mais flagrante da nota diz o seguinte: "A decisão do STF revelou uma grande divergência sobre a questão em julgamento, o que mostra que há ministros do Supremo que, nesse caso, têm posições éticas semelhantes à da CNBB. Portanto", conclui a nota, "não se trata de uma questão religiosa, mas de promoção e defesa da vida humana, desde a fecundação, em qualquer circunstância em que esta se encontra".
O primeiro aspecto a observar é que é raro, talvez inédito, que a CNBB faça a defesa pública de um ponto de vista – no caso, contrário às pesquisas com embriões – e sinta-se no dever de dizer que não se trata de uma "questão religiosa". É raro, talvez inédito, porque a CNBB, sendo uma entidade religiosa, que congrega a cúpula da Igreja Católica no Brasil, tem todo o direito – na verdade, o dever – de defender pontos de vista religiosos. São eles que formam a alma da Igreja e servem como guia espiritual para o seu rebanho.
O outro aspecto notável do trecho acima decorre do primeiro: a CNBB nega que sua posição seja uma "questão religiosa" apenas para melhor promovê-la – e, nisso, consiga fazer triunfar seu ponto de vista religioso. Isso acontece porque a CNBB sabe que, se sua opinião sobre as pesquisas embrionárias for considerada religiosa, terá de ser constitucionalmente descartada, por força do caráter laico do estado. Então, nega-se o que, na verdade, pretende-se reforçar.
É preciso esclarecer que a posição da CNBB é uma "questão religiosa", como talvez não pudesse deixar de ser, sendo a CNBB o que é. É religiosa porque a entidade defende a vida como obra divina e, tendo origem sagrada, deve ficar intocada pela mão humana. Se podemos pesquisar embriões, que são uma forma de vida, significa que mais tarde talvez possamos autorizar o aborto ou a eutanásia. E, saindo-se do terreno onde vidas podem terminar e entrando no terreno onde vidas podem começar, quem sabe possamos popularizar a pílula do dia seguinte ou legalizar o casamento gay, que é infrutífero.
Tudo isso – aborto, eutanásia, pílula, casamento gay – se choca com as idéias da CNBB, com sua concepção religiosa da vida. Não há nada objetivamente errado na concepção religiosa da vida. É uma posição respeitável, corajosa, humanitária. Só não pode, por ser religiosa, prevalecer na vida civil de um país laico. Sobretudo porque a posição favorável às pesquisas embrionárias também é respeitável, corajosa, humanitária e, não sendo religiosa, pode prevalecer na vida civil de um país laico. Isso prova, como se disse no início deste texto, que estamos todos, religiosos ou não, na busca da mesmíssima coisa, embora por meios diferentes: o triunfo da vida.
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