Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 24, 2008

Petano, o espécime mineiro que une petistas e tucanos

Uma nova espécie

Se der certo, a aliança PT e PSDB em BH 
vai criar o petano. Se der errado, o tucapeta


Otávio Cabral

 

Fotos Nelio Rodrigues/1º Plano, Claudio Cunha/Encontro Imagens e Lailson Santos
O "social-democrata radical" Márcio Lacerda (no alto) e seus padrinhos, o petista Fernando Pimentel e o tucano Aécio Neves: experiência de olho em 2010

A alta popularidade do governo Lula, a falta de densidade da oposição e a perseguição incessante do poder estão produzindo um novo protótipo de político. Ele não é petista, mas admira algumas características dos petistas. Também não é tucano, mas elogia as virtudes do PSDB. Manipulando os genes do que supostamente existe de melhor nos dois principais partidos do país, está nascendo o petano– criatura que não é uma coisa nem outra, mas surge para tentar representar as duas. O primeiro exemplar da série chama-se Márcio Lacerda, um ex-militante de uma organização guerrilheira comunista. Hoje milionário e convertido ao capitalismo, ele será lançado por petistas e tucanos como candidato a prefeito de Belo Horizonte, em uma experiência inédita que vai servir de laboratório para vôos mais ambiciosos em 2010. Embora seja um processo ainda restrito ao universo político mineiro, é bom prestar atenção na novidade. Tanto no PT como no PSDB há simpatizantes da hipótese de união entre os dois partidos para, quem sabe, apoiarem juntos um candidato de consenso à sucessão do presidente Lula. Como é improvável, ao menos agora, que um petista se agarre a um tucano e vice-versa, um petano pode ser a solução para acabar com os constrangimentos. Se der chabu, a experiência poderá, é claro, produzir um bicho menos benigno, otucapeta.

O PT e o PSDB estão em lados opostos desde a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República, em 1994. Nesses catorze anos, várias tentativas de aproximação entre as duas siglas foram articuladas, mas não deram certo devido ao acirramento das rivalidades eleitorais, principalmente após a chegada de Lula ao poder, em 2003. Em Minas Gerais, no entanto, os dois partidos convivem de forma harmoniosa. O governador tucano Aécio Neves apoiou informalmente a eleição do petista Fernando Pimentel a prefeito de Belo Horizonte. Desde a eleição de Aécio para o governo, em 2002, estado e prefeitura desenvolvem uma série de projetos em conjunto. É comum ver prefeito e governador juntos em palanques e reuniões políticas. Pelo menos uma vez por semana, Pimentel vai ao Palácio da Liberdade discutir política com Aécio. Essa parceria, ao que parece, foi bem aceita pelo eleitorado do estado. Pesquisas recentes mostram que a popularidade de Pimentel e Aécio atinge patamares superiores a 70%. O cálculo político é que, juntos, eles elegerão tranqüilamente seus sucessores. As lideranças nacionais dos partidos, porém, rechaçam a proposta de casamento oficial. O petano Márcio Lacerda surge como alternativa ao veto.

A experiência vem sendo articulada há meses com as bênçãos extra-oficiais dos dois partidos. "O nosso pressuposto para a união dar certo é que o candidato não poderia ser do PT nem do PSDB, para não matar a aliança na raiz", explica o prefeito Pimentel. "Em setembro, o Aécio me chamou ao palácio e disse que eu deveria me filiar a algum partido. Pensei que era apenas para alguma composição de governo, de secretariado. Escolhi o PSB, que é o partido com o qual eu mais me identifico. Algum tempo depois, fui surpreendido com essa conversa de ser candidato", relata Márcio Lacerda, técnico em eletrônica, que virou um bem-sucedido empresário e nunca disputou uma eleição. O acordo foi mantido em sigilo até janeiro, quando Pimentel passou a defender publicamente a candidatura comum. Em março, uma pesquisa do Vox Populi mostrou que 80% dos eleitores de Belo Horizonte eram a favor de uma candidatura apoiada por Aécio e Pimentel, mas parte só votaria nela ao analisar o perfil do candidato. Márcio Lacerda reúne condições de encarnar o petano perfeito, uma vez que sua biografia admite qualquer caracterização ideológica. "Sou um social-democrata radical. Defendo a radicalização da democracia em prol do desenvolvimento com redução da desigualdade social", explica Lacerda. Isso, segundo ele, poderia ser alcançado com a fusão dos modelos de governar de Lula e Aécio Neves. Parece simples, mas a lógica petana é mais complexa.

Filiado a um partido socialista, Márcio Lacerda, o social-democrata radical, tem em Ciro Gomes um exemplo a ser seguido. "Li uma entrevista do Ciro Gomes em 1997 e me encantei. A análise da economia que ele fazia coincidia com tudo o que eu pensava", diz ele. Lacerda quis conhecer Ciro, de quem acabou virando amigo e conselheiro. Em 2001, Ciro pediu que Lacerda participasse de sua campanha presidencial, como integrante do comitê financeiro do PPS. Derrotado no primeiro turno no ano seguinte, Ciro apoiou Lula no segundo turno contra José Serra. Em troca, o PT assumiu algumas dívidas de campanha do PPS, entre elas uma com a agência de publicidade New Trade. Ciro assumiu o Ministério da Integração Nacional do governo e indicou Lacerda como seu secretário-executivo. No escândalo do mensalão, o nome de Lacerda apareceu como um dos beneficiários do esquema de pagamentos clandestinos montado pelo PT. Em sua defesa, ele justificou que, como representante do comitê financeiro de Ciro, procurou Delúbio Soares, o tesoureiro petista, para resolver o problema da dívida com a agência de publicidade, ocasião em que foi orientado a buscar o dinheiro com o empresário Marcos Valério, o cofre do mensalão. "Não sabia que era dinheiro de caixa dois", explica Lacerda, ressaltando que nem sequer foi denunciado pelo Ministério Público. A experiência transgênica, ao que tudo indica, ainda carece de algum aperfeiçoamento, pois a ingenuidade está longe de ser característica genética dominante na selva da política.

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