Uma espécie de reforma política na contramão da História.
Nesta semana aconteceu de novo. A Câmara fez emenda à Constituição para recriar 7.554 das 8.527 vagas de vereador em todo o País, anteriormente extintas por sentença do Supremo Tribunal Federal.
Há quatro anos o STF fundamentou sua posição: acabou com as cadeiras porque descobriu que a proporcionalidade de representantes nas Câmaras Municipais estava sendo calculada de maneira errada em relação à população dos municípios.
Já a Câmara não conseguiu explicar a razão pela qual é preciso aumentar a quantidade de vereadores existentes no Brasil.
A justificativa do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, não justifica. Ao contrário. Segundo ele, o aumento permite "uma distribuição mais proporcional de vereadores".
Ora, se foi exatamente para adaptar essa proporcionalidade às exigências da Constituição que o STF tomou a decisão de quatro anos atrás, como pode ele apresentar esse argumento?
Pois é, podendo. O Parlamento tem o poder de fazer as leis e não raro as adapta às suas conveniências. Vereadores, como se sabe, são preciosos cabos eleitorais e suas vagas representam o primeiro patamar de acesso à corporação legislativa. Suas excelências agiram outra vez em causa própria, agora ampliando sua reserva de mercado.
O Legislativo já havia passado batido pela chance de ficar calado quando o Judiciário proibiu a farra de alianças partidárias. Avisou que, pela lei, as legendas eram obrigadas a uniformizar suas coligações eleitorais: parceiros federais deveriam manter as parcerias no âmbito regional ou não lançar candidatos.
Deputados e senadores esqueceram o discurso sobre fortalecimento de partidos e providenciaram nova legislação. Driblaram o princípio da "verticalização" imposto pelo caráter nacional dos partidos e voltaram, já com sustentação legal, à antiga desorganização.
No ano passado voltaram à carga, mas suspenderam no meio do caminho a tentativa de derrubar a decisão judicial sobre a perda do mandato do parlamentar que trocar de partido. A Câmara queria uma anistia, o Senado fez uma proposta mais restritiva, e, no desentendimento, ficou valendo o dito pela Justiça.
Quer dizer, salvou-se o melhor porque o Parlamento divergiu. Quando convergiu, o padrão baixou.
Sócio oculto
Se a CSS, herdeira (maldita?) da CPMF, for aprovada na Câmara terça-feira, será interessante acompanhar como o governo fará no Senado para compatibilizar o discurso da indiferença com a necessidade da interferência.
Sem ela, o governo não ganhará os R$ 10 bilhões do novo imposto e o presidente Lula não terá uma "volta por cima" da derrota imposta em dezembro pela oposição, para exibir em seu portfólio de façanhas.
Não passa um dia sem que um senador da base governista, voto favorável à CPMF cinco meses atrás, se apresente para declarar voto contra.
Inverter essa tendência no Senado não é missão impossível, mas é muito difícil fazer as necessárias investidas, principalmente se a idéia for escondê-las. Se na Câmara, um colégio de 513, muito se sabe, em ambiente de 81 quase nada escapa ao rigor da vigilância interna.
Ademais, há o perfil do Senado, desenhado pelo próprio líder do governo na Casa, Romero Jucá, dias depois da derrota da CPMF: "Cada senador vota com a sua cabeça, com os interesses do seu Estado. O governo precisa ter em mente que não existe alinhamento predeterminado de senador. Tem que tratar bem, ele tem que ficar satisfeito."
Bumerangue
No ano passado, quando Joaquim Roriz renunciou ao mandato de senador em meio a denúncias de corrupção, o Senado resolveu fazer vista grossa à vida pregressa do suplente que assumia.
Gim Argello era investigado na mesma operação da Polícia Federal que levou Roriz à renúncia e ainda corria o risco de ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal pelo Ministério Público por diversos crimes: apropriação indébita, peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Extenuados com o processo de Renan Calheiros, os colegas resolveram deixar para lá. Argello balbuciou algumas palavras em sua defesa na tribuna e ficou tudo por isso mesmo.
Agora, o STF abriu aquele inquérito requerido pelos procuradores da República. Diante da opinião pública, o Senado fica na desconfortável situação de cúmplice. Por omissão.
Por essa e muitas outras o Parlamento não tem razão quando se acha vítima de injustiça e reclama das generalizações.