Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 31, 2008

CPI dos Cartões Coveiros do Parlamento enterram investigação

A farsa confirmada

CPI dos Cartões termina sem apurar nada
e revela a ação da bancada dos coveiros


Otávio Cabral

Fotos Sergio Lima/Folha Imagem
Oposição tímida ajudou governistas a enterrar a CPI sem conclusão alguma sobre os cartões e o dossiê

O ex-deputado Ulysses Guimarães eternizou a máxima segundo a qual se sabe como começa uma CPI, mas não se sabe como termina. Ele acreditava que as investigações parlamentares guardassem uma saudável imprevisibilidade por fugir de qualquer tipo de controle, fosse do governo, fosse da oposição, pelo simples fato de serem pautadas pelos fatos. Ulysses Guimarães, se ainda vivo, estaria assistindo à desconstrução absoluta de sua teoria: uma CPI pode, sim, ser totalmente controlada do início ao fim, independentemente dos fatos. A fórmula foi desenvolvida nos laboratórios do governo e mostrou seu primeiro grande resultado na semana passada. Depois de três meses de embromação e escaramuças, a CPI dos Cartões Corporativos, criada por acordo entre governo e oposição, está encerrando seus trabalhos exatamente da mesma maneira que começou: encenando uma farsa. Farsa para não apurar nada. Desde o início, era para ser um simulacro de investigação – e tudo leva a crer que será. A falta de conclusão é resultado direto do trabalho de um grupo de deputados que vem fazendo fama no Congresso e já foi apelidado de a bancada dos coveiros. São parlamentares inexpressivos, desprovidos de pudor, teleguiados para atrapalhar, confundir e enterrar investigações que incomodem o governo.

Os talibãs da impunidade são recrutados no chamado baixo clero do Congresso. O governo sabia que, desde que surgiram as primeiras denúncias sobre o uso irregular dos cartões de crédito, era inevitável a instalação de uma CPI para investigar o caso, e resolveu se preparar. A tática de usar o exército coveiro já havia sido empregada com sucesso no Senado, no ano passado, para salvar o mandato do senador Renan Calheiros, investigado por um rosário de crimes. Na ocasião, o governo juntou o que havia de pior no Senado para fazer o trabalho sujo em benefício de Calheiros, que foi obrigado a renunciar à presidência do Congresso, mas acabou se safando da cassação do mandato. A tática foi integralmente aplicada na CPI dos Cartões. A tropa de choque, dessa vez, foi formada pelos deputados Carlos Willian (PTC-MG), Silvio Costa (PMN-PE), Maurício Quintella (PR-AL) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC). – todos de pouca expressão, filiados a partidos nanicos e sem pretensões políticas mais ambiciosas. Fazem o trabalho por voluntarismo ou para receber uma pequena recompensa, que pode vir na forma de cargos e liberação de emendas do Orçamento.

A estratégia dos coveiros é previamente combinada com as lideranças do governo. Eles são orientados a constranger depoentes, inviabilizar sessões, rejeitar requerimentos importantes de convocação e protagonizar cenas ridículas, que só ajudam a desmerecer ainda mais a imagem do Congresso. No início da CPI, por exemplo, a tropa da cova chegou à sessão com uma "cola" em mãos, onde estavam destacados em vermelho todos os requerimentos que deveriam ser rejeitados. Em azul, os que deveriam ser aprovados. Os parlamentares mal sabiam o que estavam votando, mas seguiram à risca o que foi escrito pelas lideranças do governo. Em um dos depoimentos, o deputado Carlos Willian exigiu que a testemunha jurasse dizer a verdade com as mãos sobre a Bíblia. Como ela se negou, o deputado rebateu: "Para mim, tudo o que ele disser no depoimento vai ser mentira porque sou cristão". Defensora do reconhecimento do santo-daime como patrimônio nacional, Perpétua ficou conhecida nacionalmente por chamar, aos berros, uma testemunha de "dedo-duro". Silvio Costa se especializou em pedir a convocação de membros do governo anterior para tentar constranger a oposição, enquanto Maurício Quintella se dedicava a insultar os oposicionistas, que eram chamados de "fofoqueiros" e "bisbilhoteiros". Fanfarronices que eram recebidas com gargalhadas e até aplausos, num constrangimento ao bom senso.

A farsa da CPI também contou com a indulgência da oposição. Os dois sub-relatores, Carlos Sampaio e Indio da Costa, vestiram o figurino de investigadores sérios, dispostos a revelar as irregularidades do governo com os cartões corporativos, mas também produziram um relatório risível. O único momento em que a farsa esteve ameaçada foi quando se revelou a existência de um dossiê com as despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Atropelada pelos fatos – sempre eles –, a CPI convocou para depor o ex-secretário de Controle Interno da Presidência José Aparecido Nunes Pires, apontado pela Polícia Federal como o responsável pelo vazamento do documento. O funcionário confirmou a existência do dossiê e disse que ele foi produzido na Casa Civil. E o que aconteceu depois diante de tão escandalosa revelação? A comissão decidiu encerrar os trabalhos. Na terça-feira, todos os requerimentos de convocação foram rejeitados, inclusive os que previam o depoimento de funcionários da Casa Civil envolvidos com o dossiê, como a secretária-executiva, Erenice Guerra. "Essa CPI não andou. Está capenga e vai ser enterrada. O que fizemos foi defender o governo", comemorou o deputado Carlos Willian. Sem confronto, a comissão terá sua sessão de despedida nesta terça-feira. Será uma festiva missa de sétimo dia.

SILVIO COSTA
Sua função era ameaçar convocar ministros do governo FHC, para tentar intimidar a oposição
Valter Campanato/ABR

PERPÉTUA ALMEIDA
A comunista defensora do santo-daime abusou da estridência para chamar testemunha de "dedo-duro"

Antonio Cruz/ABR

CARLOS WILLIAN
Patético, disse que só acreditaria no depoente se ele jurasse sobre a Bíblia: "Sou cristão"

Sergio Dutti/AE
MAURÍCIO QUINTELLA
Não se constrangeu em chamar oposicionistas de "fofoqueiros" e "bisbilhoteiros"

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