O day after da derrota no Senado mostrou que esse risco era inexistente. Poucas horas depois, o presidente Lula determinou ao ministro da Fazenda que reafirmasse o compromisso com a meta de superávit primário. O governo recorreu à maior cobrança de IOF. Não houve cortes de despesas, mas os ganhos de arrecadação superaram as melhores estimativas. A meta tem sido mais do que cumprida.
A perda da CPMF não pode ser a razão para o veto ao projeto de regulamentação da emenda 29, que cria nova vinculação de receitas para a saúde (gastos adicionais de R$ 10 bilhões). O projeto é ruim em si mesmo, pois piora o desastroso quadro de vinculações da Constituição. A experiência mostra que vinculações constituem uma forma primitiva de definir prioridades, apequenam o papel do Congresso, geram desperdícios e conspiram contra o desenvolvimento do País. Pouco tem a ver com os pobres que precisam de melhorias na saúde.
Bastaria isso para tornar injustificável a recriação da CPMF, oficialmente proposta pela chamada base aliada. Além disso, tem havido generosas renúncias de receita, mostrando folga na arrecadação. Houve desonerações em favor da política industrial, de proprietários de veículos que usam gasolina e da comercialização de trigo. Cogitam-se iguais medidas em benefício de outros setores.
Ademais, o governo pretende criar um fundo soberano sem sentido, que gastará perto de R$ 30 bilhões em subsídios para empresas brasileiras no exterior. Agora se sabe, segundo alto funcionário, que o objetivo último do fundo é transferir funções da política cambial do Banco Central para a Fazenda. A insanidade viria para decidir uma luta de poder entre os dois órgãos, em favor da Fazenda.
Para complicar, a nova CPMF seria inconstitucional. Pretende-se criá-la sob a capa de uma nova Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), o que permitiria a aprovação por lei complementar, que exige 50% mais um dos votos. O governo contaria com esse número no Senado, enquanto a emenda constitucional que prorrogava a CPMF requeria 60% dos votos, que não conseguiu.
Acontece que a CIDE somente pode incidir sobre "o faturamento, a receita bruta ou valor da operação" (art. 149 da Constituição). Não se inclui, pois, a movimentação financeira. Por isso, foi preciso recorrer a uma emenda constitucional para criar a CPMF com uma outra base tributária. Se o Congresso aprovar a nova CIDE, mesmo sob pressão da opinião pública, é provável que ela caia no STF.
Pode parecer esperteza política transferir ao Congresso a responsabilidade de criar a nova CPMF. Assim, se sair o novo tributo simultaneamente à lei que regulamenta a emenda 29, o governo a sancionará, sem pôr em risco o superávit primário. Se não sair, vetará o projeto aprovado. Alegaria falta de recursos e minimizaria o impacto político da rejeição de medida popular.
O risco dessa estratégia é para lá de enorme. Se o projeto se transformar em lei e a nova CPMF não passar no crivo do Judiciário, ficará a despesa e sumirá a receita. A situação fiscal se tornará pior. O Banco Central ficará ainda mais solitário no esforço de combate à inflação.
O governo poderia cortar gastos para compensar a costumeira irresponsabilidade fiscal do Congresso. Seria o menor dos males. A nova vinculação seria criada, mas seu estrago se limitaria ao campo da qualidade da despesa, evitando-se elevações adicionais da dívida pública e deterioração da avaliação de nosso risco. O grau de investimento recentemente obtido seria preservado.
Por mais, entretanto, que Lula queira se livrar do veto impopular, este é o caminho irrecusável de um líder responsável, inclusive porque o maior impacto da lei que regulamenta a emenda 29 ocorrerá depois de 2010, em outras administrações.
O melhor é deixar que a nova CPMF morra por seus próprios defeitos e vetar um projeto de lei prejudicial à economia, à sociedade e aos pobres (por mais que se diga o contrário).