Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 25, 2008

Dora Kramer Conciliação de ocasião

Desde o início do ano embalado no sobe-desce de palanques por um discurso agressivo contra a oposição, na terça-feira passada o presidente Luiz Inácio da Silva subitamente mudou de tom.

Ao lado do governador José Serra, o candidato da oposição mais bem posicionado nas pesquisas à sua sucessão, Lula exaltou os benefícios da boa convivência entre adversários que, segundo ele, representa "um novo jeito de fazer política".

Na versão do presidente, a participação do presidente da República e do governador de São Paulo de uma solenidade para assinatura de empréstimo de R$ 1,8 bilhão do BNDES para obras do metrô paulista demonstra a "contribuição" de ambos para essa nova política. "O Serra pode ser meu adversário e eu adversário dele. Mas fomos eleitos e nosso eleitor merece respeito."

Antes dele, o governador Aécio Neves já havia apresentado suas credenciais de candidato a fiador da conciliação nacional, lançando a tese de que alianças partidárias entre contrários sinalizam a inauguração de "uma fase mais madura da política no Brasil".

O eleitorado olha isso e, se estiver desprevenido, pode até levar os discursos ao pé da letra. Os otimistas começarão a conjeturar sobre a hipótese de uma aliança PT-PSDB no plano nacional, animados com a possibilidade de o Brasil arquivar no passado as leviandades e realmente entrar na fase de relações civilizadas, racionais e totalmente referidas na produção do bem-estar da população.

Os pessimistas ficarão ressabiados. Poderão se perguntar que razões objetivas existiriam para justificar a premência de uma união entre governo e oposição em tempos de normalidade institucional, e ponderar se é realmente saudável a anulação do contraditório na democracia.

Dúvidas de todo pertinentes, pois nas democracias mais avançadas governo é governo, oposição é oposição e ninguém associa essa dicotomia a imaturidade ou a atraso. Ao contrário, a cooptação, a mistura de papéis e a ausência de identidades partidárias nítidas é que denunciam o anacronismo das relações.

Mas como a realidade está aí mesmo para pôr as coisas no lugar, logo ela se encarregará de mostrar que não existem grandes maquinações do bem ou do mal por atrás desses súbitos desejos de conciliar.

Trata-se de um jogo de profissionais. Embate de gente grande. Lula tem a popularidade e o poder de pintá-la com cores de quase unanimidade nacional. José Serra tem o comando do maior estado do País e a melhor posição para 2010 na perspectiva eleitoral de hoje. Aécio Neves governa o segundo colégio eleitoral do Brasil, onde reina absoluto.

Donos desses respectivos capitais, brigar agora por quê? Mas, exatamente porque detêm tão preciosos patrimônios é que a nenhum deles interessa a tese da conciliação, servida no momento à apreciação do público por uma questão de cálculo político.

Quanto mais amistoso o presidente Lula aparecer nas fotografias junto a adversários politicamente fortes, mais reforço ele obtém à sua imagem de figura imbatível, residente em patamar superior e a quem ninguém ousa enfrentar.

Ganha ainda dois preciosos dividendos: enquanto corre pelo País propagando ações de seu governo, mostra-se generoso e disposto a dividir com a oposição os feitos administrativos, dos quais é o maior beneficiário, pois nos palanques a marca em tom berrante é a do PAC federal.

Prova é a anunciada decisão de Lula de não participar de comícios no primeiro turno da eleição municipal, nem em São Paulo, porque não abre mão da prerrogativa de presidir solenidades do PAC durante a campanha. Quer fazer isso mesmo em cidades onde o prefeito seja adversário de um aliado seu.

Mas os oposicionistas parceiros da "nova política" nem de longe saem perdendo. Compartilham com Lula a popularidade, obedecem às pesquisas que indicam a preferência do eleitor por relações amistosas (uma obviedade, já que ninguém se manifesta racionalmente a favor do conflito) e não criam atritos inúteis com quem não será candidato. Mantidas as normas atuais, bem entendido.

Essa fidalguia toda, porém, é seletiva, tem limites e prazo de validade. Só acontece entre oponentes cujo peso possa representar algum tipo de ameaça ao outro, é reservada a ambientes públicos e começa a expirar logo depois das eleições municipais.

A partir daí, a tendência é minguar até não existir entre PT e PSDB nenhum resquício de harmonia ao fim do ano de 2009.

Aí a regra será outra. O discurso da conciliação necessariamente terá de ceder o lugar, porque passará a prevalecer aquele aviso dado algumas vezes pelo presidente Lula aos navegantes inimigos sobre a certeza inabalável de que conseguirá dar continuidade a seu projeto de poder.

Como a oposição lutará pela ocupação do mesmo espaço, convenhamos, a tese da "nova política" não passa pelo crivo nem da mais básica das leis da Física.

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