Amazônia: premissas
para sua entrega
Se forem cumpridas, por que não?
E mais: o estilo de risco do ministro Minc
Ao comentar as manifestações em favor da internacionalização da Amazônia, o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, respondeu que a aceitava – por que não? – desde que fossem internacionalizadas também Nova York e Paris. O assunto da internacionalização ressurgiu na imprensa mundial no rastro da demissão da antecessora de Minc, Marina Silva. O jornal inglês The Independent publicou um editorial afirmando que a Amazônia "era importante demais para ser deixada aos brasileiros". O New York Times publicou artigo em que lembrava uma antiga frase de Al Gore, ex-vice-presidente americano, hoje santo protetor do meio ambiente global: "Ao contrário do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é propriedade deles, e sim de todos nós".
Com a idéia de internacionalizar também Paris e Nova York, Minc retomava um artigo do senador Cristovam Buarque, publicado em 2000 e de muito sucesso na internet. Cristovam Buarque conta que, questionado sobre a internacionalização, num debate nos Estados Unidos, disse que, "como humanista", era a favor – assim como era a favor de internacionalizar as reservas de petróleo do mundo, libertando-as de países que arbitrariamente diminuem a extração ou sobem o preço, ou de internacionalizar o capital financeiro global, sujeito a manobras dos especuladores. Era a favor igualmente da internacionalização dos museus, como o Louvre, "guardiães das mais belas peças produzidas pelo gênio humano". E também de Nova York, como sede da ONU, e de Paris, Veneza, Roma, Londres e Rio de Janeiro, patrimônios da humanidade, sem se esquecer do arsenal nuclear americano, instrumento perigoso demais para estar sob controle de um só país.
Cristovam Buarque estava, claro, dando um chega-pra-lá nos interlocutores estrangeiros. Mas ao mesmo tempo desenhava um idílico mundo futuro, liberto das soberanias nacionais, em que tudo é de todos. Se tudo der certo no planeta (o que é discutível), quem sabe um dia, daqui a mil ou dois mil anos, cheguemos lá. Será tudo como o mar do anônimo poema medieval catalão que diz: "No mar / não há teu / nem meu. / No mar / tudo é teu / e tudo é meu". Como nada ainda deu certo no planeta, e nem mesmo o poema catalão é confiável – pois não considera a demarcação dos mares territoriais –, é bom oIndependent e Al Gore terem um pouco de calma. A internacionalização só será aceitável quando se cumprirem duas premissas. Primeira: que desapareçam os estados nacionais. Segunda: que os grupos, ou comunidades, ou sociedades que restarem, mantenham entre si relações impecavelmente eqüitativas. Quem sabe, um dia...
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A saída de Marina Silva foi a mais digna saída de ministro do governo Lula. A entrada de Carlos Minc foi a mais espetacular entrada de ministro do governo Lula. Marina Silva fez de sua demissão o relançamento da causa ambientalista. Cada vez mais desprestigiada dentro de um governo tomado pelo PAC PAC PAC das comichões desenvolvimentistas, lançou a carta da demissão como um último recurso – como, exagerando um pouco, um presidente suicida deixa uma carta-testamento para plataforma de sua redenção política. Foi uma demissão pela causa, coisa rara em qualquer governo, e inédita neste, em que a regra é o ministro sair atado ao rabo de algum escândalo. E não é que deu certo? A questão ambientalista, a Amazônia em particular, passou a ser discutida desde então como nunca antes neste país, e até mundo afora.
A estréia de Carlos Minc foi a mais espetacular entrada em cena desde Greta Garbo irrompendo atrás da fumaça do trem em Anna Karenina.Minc investiu contra o governador Blairo "motosserra de ouro" Maggi. Cutucou o novo gerente da Amazônia, Mangabeira Unger, um ministro do Futuro que com essa nova incumbência ganhou a primeira chance de meter a colher no presente. Disparou comentários sobre energia nuclear e hidrelétricas. Mas não é o que pensa, nem o que pretende fazer, o que mais impressionou. Impressionou o estilo, um estilo em que se combinam um pára-tudo-que-eu-cheguei e um às-favas-as-convenções, misturados às poses desinibidas, as roupas, o corte do cabelo e os bordões altissonantes. "Tremei, poluidores!", disse. Ao se despedir, costuma sapecar um "Saudações ecológicas e libertárias!". Nas entrevistas, abusa do "o Lula me garantiu..." ou "a Dilma concordou...". Não é "o presidente" Lula, nem "a ministra" Dilma. A intimidade do lar, ou do bar, contrapõe-se à caretice de Brasília.
O estilo exuberante de Minc é de risco. Tanto pode lhe render alguma preeminência no conjunto do ministério, e atenção para a causa ambientalista, quanto o carimbo de tipo bom para divertir, não para ser levado a sério. "Performático" é o adjetivo que ele usa para qualificar seu modo de atuar. Cuidado, ministro. Performático pode ser o político com um domínio de cena que ajuda a convencer e angariar adeptos, mas pode ser também – ou melhor, é sempre – o bobo da corte. Minc recebeu de Marina Silva a causa do ambientalismo em alta; depende dele mantê-la num nível elevado.