Por trás desses sinais de fragilidade política estão dois fatos econômicos desestabilizadores: a cavalgada da inflação que, nos cálculos do economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, está ao redor dos 19% no período de 12 meses terminados em abril e a forte carga tributária que está sendo descarregada sobre os produtores agrícolas.
Os números oficiais continuam apontando avanço dos preços ao redor dos 9% ao ano. São obtidos a fórceps para produzir efeito psicológico de uma inflação abaixo dos dois dígitos. Os preços só não foram além porque estão sendo sustentados pelo congelamento e por exibições de truculência por parte do secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que, entre outros feitos, mantém um revólver carregado sobre a mesa de seu gabinete para forçar acordos com os empresários. Mas truques do gênero não têm bastado para derrubar a inflação. As estatísticas continuam sendo notoriamente maquiadas.
Essa manipulação não gera apenas deformações estatísticas. Produz distorções nos preços, na renda e nos investimentos. Ao impingir goela abaixo uma inflação substancialmente mais baixa, o próprio consumidor tende a exagerar suas percepções. Para ele, a inflação alcança hoje algo entre 30% e 35% ao ano.
De todo modo, graças às manipulações, o governo argentino empurra reajustes insatisfatórios nos salários, nas aposentadorias e nos preços administrados. Cerca de metade dos bônus que lastreiam a dívida argentina paga remuneração baixa demais porque são reajustáveis pelo índice oficial de inflação.
Além de desequilibrar os preços relativos, essas práticas desestimulam os investimentos na medida em que impedem o setor produtivo de trabalhar com reajustes adequados de preços ao nível da inflação. A falta de investimentos, por sua vez, tende a atirar a economia à estagnação.
Por enquanto, a trajetória do Produto Interno Bruto (PIB) argentino não ficou substancialmente deformada porque o principal deflator utilizado nos cálculos tem forte peso do índice de preços no atacado não alcançado pela maquiagem, pondera Sica.
Os conflitos com os produtores rurais se agravaram depois que o Ministério da Economia aumentou o confisco (retenciones) nas exportações. Mas parece improvável que daí saia mudança que seja capaz de dar maior racionalidade à política econômica.
O inverno está chegando e pode esquentar ainda mais o jogo político. Como já aconteceu no ano passado, pode faltar gás e energia elétrica para calefação e isso pode custar caro aos Kirchners.
Há alguns meses ainda se encontravam comentaristas brasileiros que morriam de inveja ante a exibição de saúde produtiva da Argentina, e pregavam a adoção da mesma política pelo governo brasileiro. Hoje, já não se vê sequer um deles defendendo anomalias assim.
Confira
Efeito da manipulação - O gráfico dá uma idéia do que aconteceu com o índice de inflação da Argentina depois que o governo começou a maquiar as estatísticas. As estimativas são do economista Dante Sica, da consultoria Abeceb.