No ano passado, circularam pelo Brasil 25,8 milhões de automóveis. E esse número ainda cresce fortemente. Há dois anos, as vendas internas sobem acima dos 20%. Entre 2004 e 2009, elas terão duplicado. As montadoras brasileiras continuam bem, mas se preparam para a chegada dos veículos asiáticos. Ford, GM e Chrysler perdem espaço nos Estados Unidos e no mundo; enquanto a produção chinesa cresceu 23% em 2007. Há capacidade ociosa em várias regiões.
Mesmo com tanta ebulição, nada fez ainda com que Estados Unidos e Japão deixassem de ser os principais atores nesse cenário. Talvez seja apenas questão de tempo.
É no que acredita um amplo estudo feito pela RC Consultores. Por ora, os EUA são os grandes compradores.
Lá, a relação habitante/ veículo é de 1,2 (no Brasil, é de 7). O Japão é o maior produtor e exportador, e tem a segunda maior frota.
A mudança que ocorre não é de hoje, mas se intensificou com o petróleo dobrando de preço no último ano. Nos Estados Unidos, embora isso venha se modificando, os dois carros mais vendidos ainda são pickups, bebedores clássicos de petróleo. As grandes empresas americanas são especialistas nesse assunto, mas não em fazer carros compactos. Foi aí que a japonesa Toyota — entre outras — se deu bem. O resultado foi que Ford e GM enfrentam duríssimas crises.
A primeira, um símbolo da história da indústria automobilística, vai demitir 9 mil empregados e fechar 16 unidades até 2012 nos EUA.
A GM vai dispensar 74 mil funcionários. E mesmo a alemã Volks deve cortar 20 mil empregos na Alemanha nos próximos 3 anos, deslocando uma parte ainda maior da produção para a China.
Os cinco principais países produtores de automóveis, que concentram 51% da produção, são Japão, seguido de Estados Unidos, China e Alemanha. Nesse quadro, o Brasil aparece com 4% do mercado mundial. A produção na América do Sul cresceu 15% em 2007 em relação a 2006. A tendência é de que ela continue subindo, mas metade do crescimento na produção automobilística, nos próximos dois anos, virá mesmo da Ásia.
Até este momento, o mercado brasileiro — e mundial — não se viu inundado por veículos chineses e indianos porque eles, mesmo que baratos e compactos, não têm ainda qualidade suficiente para concorrer internacionalmente.
Mas isso vai acontecer mais dia, menos dia.
A tendência é que a Europa Ocidental e os Estados Unidos se tornem importadores ainda maiores, com a produção se deslocando para áreas de mais baixo custo, como os países da Europa Oriental e da Ásia. Atualmente, calcula-se que a ociosidade da indústria automobilística mundial está em 19% e a previsão é de que, em 2014, estará em 14,5%.
Na América do Sul, está em 19% também, mas deve chegar a 6%.
No Brasil, desde 2004, a produção vem crescendo.
Primeiro, ela contou com a ajuda das exportações para países da América Latina e Europa — a Argentina continua, até hoje, sendo o principal deles, destino de mais da metade das exportações de veículos de passageiros.
Mas nos últimos dois anos, com o real forte, o impulso veio das vendas internas, que cresceram 23% em 2007 e devem aumentar 21% em 2008. A explicação, como temos ouvido para dados de consumo em geral, está nos maiores renda e crédito. O para veículos saiu de R$ 30 bilhões em 2004 para R$ 85 bi agora. Os investimentos têm crescido também, mesmo assim, estão em patamares de 1998.
O estudo da RC vê boas perspectivas para a indústria automobilística brasileira no curto prazo, com anúncios de investimento e ainda aumento da renda e do crédito no próximo ano. Na conta, entra também o fato de que aqui a frota é velha. Nos médio e longo prazos, é que está o porém: os veículos asiáticos tendem a melhorar sua qualidade e competir com os nacionais. Para tentar evitar isso, as grandes montadoras que atuam por aqui estão aumentando o desenvolvimento de carros de baixo custo.
Se, por um lado, há, sim, fortes componentes para se contar com bons dias para o setor no país, o trabalho da RC Consultores lista três principais pontos fracos do mercado automotivo brasileiro: o câmbio valorizado, que dificulta exportações e favorece importações; a carga tributária, que aqui equivale a 30% do preço; e o custo superior ao dos veículos asiáticos.
Existe ainda um outro gargalo com que podem se deparar as montadoras no Brasil: a falta de autopeças nacionais.
Claro, boa parte pode ser resolvida com mais importação. Mas o país pode ganhar mais tentando aumentar sua capacidade produtiva.
Desde a década de 90, que os fabricantes de autopeças passaram a ser responsáveis por etapas da produção que antes estavam com as próprias montadoras. Por mais que esteja havendo aumento dos investimentos, o crescimento da produção não tem acompanhado o da fabricação de automóveis. O estudo conta que a “utilização da capacidade atual já conta com turnos de 24 horas nos sete dias da semana”.
E este ano eles só devem conseguir investir 85% do necessário.
Em suma, o que os próximos anos devem ver no setor é um deslocamento da produção cada vez maior para os países asiáticos; com fusões das empresas chinesas, o que fortalecerá suas marcas; carros mais compactos; demanda crescendo fortemente nos países emergentes, com o aumento da renda, e ainda algumas chances para as montadoras aqui no Brasil. O grande problema é se o planeta tem condições de agüentar tantos veículos assim.
O trânsito caótico das grandes cidades já é um exemplo claro de que não.
Entrevista:O Estado inteligente
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