A postura assumida pelo governo brasileiro em relação à institucionalização do grupo formado por Brasil, Rússia, India e China, é mais um exemplo do descompasso entre a retórica e a realidade na área da política externa. O Itamaraty considera que, com a recente reunião de Yekaterinbourg entre os Ministros do Exterior dos quatro países, “foi dado inicio ao processo pelo qual está sendo mudada a maneira como o mundo é organizado”. A partir de agora, será difícil o G-7 - que congrega as principais economias industrializadas do mundo-tomar decisões sem ouvir os BRICs, decretou a Chancelaria.
Excessos retóricos itamaratianos a parte, dentro da perspectiva da crescente projeção externa do Brasil, cabe analisar o real significado do encontro e seus possíveis desdobramentos nos próximos anos.
O comunicado conjunto emitido pelos quatro ministros dá algumas indicações sobre os limites e as perspectivas do embrionário grupo.
No atual estágio, o que ficou acordado foi apenas a abertura de diálogo, baseado na confiança e respeito mútuos, em cima de interesses comuns e na coincidência ou similaridade de visões em relação aos problemas de desenvolvimento global. Nada mais do que isso, o que seria de se esperar, pelo fato de ser a primeira reunião formal e porque as agendas de cada um dos países são necessariamente distintas.
Houve concordância em desenvolver um trabalho conjunto e com outros estados, a fim de fortalecer a segurança e a estabilidade internacional e a assegurar iguais oportunidades para o desenvolvimento de todos os países.
Uma das prioridades declaradas do grupo é o reforço ao multilateralismo e ao papel das Nações Unidas para a paz e a segurança internacional, sendo enfatizada a necessidade de uma ampla reforma da ONU a fim de torná-la mais eficiente para enfrentar os atuais desafios globais.
Nesse contexto,”os Ministros da Rússia e da China apoiaram as aspirações do Brasil e da India em desempenhar um papel mais importante nas Nações Unidas”. Não houve, assim, um endosso explícito às candidaturas de Brasil e India para que tenham um assento permanente no Conselho Segurança, talvez pelas reservas da China. É possível interpretar, no entanto, como se apressou a fazer o Itamaraty, que, na prática, a redação do comunicado aponta nessa direção.
Em vista das diferenças existentes, foi possível apenas identificar de maneira bastante geral uma agenda não controversa em torno da qual foram registradas as concordâncias entre os quatro países. Foram mencionados, entre outros, o fortalecimento da diplomacia multilateral, combate ao terrorismo, mudança de clima, energia renováveis e preço das commodities, em especial dos alimentos e do petróleo.
Nos próximos meses, os BRICs se encontrarão na India, em 2009, antes disso, em New York, paralelamente à Assembléia Geral da ONU, em setembro, e no Brasil, na primeira reunião de Ministros da Economia/Fazenda para discutir economia global e questões financeiras.
Clovis Rossi, sempre atento às sutilezas da cena política interna e externa, foi o primeiro analista a manifestar-se sobre o encontro ministerial e o fez de forma cética, afirmando que nada indica que esses países passem a ter interesses comuns a ponto de criar um bloco. Não haveria outra cola entre eles que não sejam territórios e populações gigantescas (fatores preexistentes à sigla Bric), comentou.
Nem tanto otimismo, nem tanto pessimismo. A reunião ter acontecido, já é em si, um fato importante.As construções diplomáticas começam – como na grande marcha – com um primeiro passo.
Dificilmente esse diálogo evoluirá, no curto e médio prazo, para um fórum de coordenação de políticas, como e o G-7. Na área política, porque apenas Rússia e China são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e porque só eles, junto com a India, são potências nucleares. Na área econômica, financeira e comercial, porque a China já assumiu hoje um papel de muito maior relevância e preponderância no mundo globalizado e seus interesses não são necessariamente coincidentes com os dos outros três países.
Se no futuro o grupo buscar distinguir-se do G7, poderá assumir posições de confrontação que destoam da tradição diplomática brasileira de conformar agendas positivas e cooperativas com todos os seus parceiros tradicionais. Rússia e China têm motivos próprios, de ordem estratégica e talvez até militar, para contraporem-se às democracias industriais, mas não o Brasil. O esforço para aumentar a presença internacional do país não deve incluir a adesão automática a agendas que não se conformam necessariamente aos nossos interesses (como acontece em alguns itens da agenda com nossos vizinhos regionais).
O potencial político do grupo BRIC é grande. A eficácia da atuação geopolítica conjunta a médio e longo prazo, no entanto, ainda não pode ser assegurada. A influência dos BRICs como um grupo vai depender do grau de coesão e de sua participação ativa nos temas políticos e econômicos mundiais na defesa dos interesses de uma parte substancial da população do globo.
Uma indicação das dificuldades para avançar no caminho comum que os quatro países enfrentam reside no fato de a reunião ter-se realizado a nível ministerial e não no de Chefes de Governo, o que representaria um endosso político muito mais forte. A médio prazo, esse objetivo maior talvez possa ser alcançado.
O grupo está na fase inicial e exploratória, mais ajustada a declarações vagas e não ufanistas. Mais realista - e modesto – o ministro russo afirmou que os quatro países apóiam a reforma da arquitetura econômica mundial, a garantia das regras internacional e discutem a situação global.
Rubens Barbosa, consultor de negócios, Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp