Livro defende a tese de que os EUA sofrem uma guinada
a cada quarenta anos. A última foi em 68. A próxima é agora
André Petry, de Nova York
Os Estados Unidos não estão à beira do abismo, mas já são abundantes os sinais de que o país hoje é uma locomotiva que range nos trilhos. Recentemente, uma pesquisa mostrou que 78% dos americanos acham que o país piorou nos últimos cinco anos e 81% dizem que ele está no caminho errado. São porcentuais altíssimos, mas compreensíveis: as diversas manifestações da crise estão se disseminando pelos quatro cantos – em alguns lugares, de modo lento e silencioso; em outros, num ritmo mais acelerado e barulhento. Fora de suas fronteiras, os EUA vêm perdendo a autoridade moral e estão perdidos numa guerra da qual não sabem como sair e na qual já enterraram bilhões de dólares e milhares de vidas. Dentro de suas fronteiras, o país enfrenta problemas na educação, na saúde, na economia, na infra-estrutura e, nó górdio, na energia, mortalmente dependente do petróleo. Ninguém sabe onde está a saí-da da crise, mas uma dupla de autores, ambos velhos militantes do Partido Democrata, aposta que a mudança está perto, bem próxima, quase na esquina – e, dizem eles, será uma virada histórica, sísmica, como um tsunami.
A tese é de Morley Winograd e Michael Hais, autores de Millennial Make-over, recentemente lançado nos Estados Unidos e ainda sem tradução no Brasil. Com base na teoria das gerações, eles sustentam que, desde 1828, a história americana tem sido atingida por transformações profundas a cada quarenta anos. De cada vez, uma geração particularmente dinâmica, mas com características opostas às da geração anterior, promove uma guinada na vida americana. Nesse papel, revezam-se as gerações "idealistas", assim chamadas as radicais e contestadoras, e as gerações "cívicas", flexíveis e pragmáticas. Os anos de triunfo dos "idealistas" foram 1828, 1896 e 1968. A supremacia dos "cívicos" aconteceu em 1860, 1932 e.... agora? Sim, eles dizem que a eleição presidencial de 2008 tem tudo para ser o começo da guinada, mas admitem que a mudança pode ser retardada por quatro anos, como ocorreu em 1928. Naquele ano, tudo apontava para a virada, mas o eleito foi o republicano Herbert Hoover. Só quatro anos mais tarde é que Franklin Roosevelt chegou ao poder – e, superando uma depressão econômica e uma guerra mundial, colocou os EUA no rumo da potência global que é hoje.
A brigada cívica que está prestes a mudar o futuro americano é a chamada "geração do milênio", formada pelos nascidos entre 1982 e 2003. Até 2012, a primeira metade dessa geração, um contingente de 42 milhões de americanos, já terá direito a voto – e vai confirmar nas urnas as mudanças que seus pares mais velhos terão começado. "É uma geração segura, com boa auto-estima, criada por pais atenciosos, que foram os primeiros a colocar no carro o adesivo ‘cuidado: bebê a bordo’. É uma geração que cresceu amiga dos pais", diz Michael Hais, ao apontar as diferenças em relação à geração de 1968 (veja entrevista). A turma do milênio é dona de vários ineditismos: é a mais numerosa da história, a mais miscigenada e a primeira a ter quantidade igual de homens e mulheres formados na universidade. Seu protótipo é Andy Sachs, personagem da atriz Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada. Andy tem nome andrógino, amigos negros e gays, e a perspectiva dupla e não excludente de se casar e fazer carreira. Na música, se o pessoal dos anos 30 gostava de swing e o dos 60 ouvia rock psicodélico, a geração do milênio aposta no mashup, uma combinação, quase sempre digital, de duas músicas numa só.
De todas as marcas da atual geração de jovens americanos, no entanto, a mais decisiva é a tecnologia. A geração do milênio é a primeira a crescer no mundo da internet – e isso está na base da mudança que virá. Primeiro, porque a atual geração, graças à internet, é a que mais tem contato com os amigos, a que mais partilha informação e, por causa disso, desenvolveu um sentimento coletivo. Segundo, porque a internet está mudando as relações de poder na sociedade ao descentralizar a informação. Terceiro, porque toda guinada na história americana – dizem os autores – só acontece quando se dá a combinação de uma geração dinâmica com uma novidade na tecnologia da comunicação. A tese é fraca para explicar a guinada em 1828, mas é poderosa daí em diante. Em 1860, a maravilha do telégrafo levou ao país as idéias abolicionistas de Abraham Lincoln. Em 1896, o telégrafo se juntou à novidade do telefone, e os republicanos derrotaram a aristocracia agrária, inaugurando a era industrial e urbana. Em 1932, o rádio, que chegou a ser conhecido como "telégrafo sem fio", parecia feito sob encomenda para a voz de veludo do democrata Franklin Roosevelt, que faria história com seu New Deal. Em 1968, quase 57 milhões de lares americanos já tinham uma TV.
Ninguém sabe, nem os autores de Millennial Makeover, em que direção será a guinada sísmica que está por vir. Mas eles afirmam que, pelas características da geração do milênio, as coisas serão assim: nas próximas eleições, haverá um comparecimento em massa às urnas, a política americana fará novas coalizões, o governo será mais unitário, mais eficaz e mais ativo no estímulo à economia, além de voltar-se para a promoção da justiça social. Temas que hoje incendeiam o debate nacional – como casamento gay, aborto ou imigração – serão tratados sem paixão e resolvidos sem tumulto. Isso porque a nova geração acha que os gays devem viver como quiserem, o aborto deve permanecer legal e a massa de imigrantes estrangeiros não destrói a cultura nem corrói a economia dos Estados Unidos. Ao contrário, torna ambas mais pujantes. Tais posições podem parecer benevolência juvenil, mas é bom lembrar que um em cada quatro membros da atual geração tem pai ou mãe imigrante. "Felizmente para os Estados Unidos – concluem os autores –, as mudanças tecnológicas que ocorreram na história americana oscilaram em harmonia com os ciclos geracionais." Isso quer dizer que, neste momento, com a geração do milênio chegando junto com a internet, a América, mais uma vez, está salva. Soa esquemático, como se o país estivesse historicamente condenado à grandeza, mas não custa esperar para ver.
Gilberto Tadday![]() |
O cientista político Michael Hais, nascido em 1943, passou a vida lidando com pesquisas – para apurar a audiência de programas de TV ou a preferência política dos eleitores. No escritório da Entertainment Research, em Nova York, empresa para a qual trabalhou mais de vinte anos, Hais falou a VEJA sobre seu livro Millennial Makeover e sobre a geração de 1968.
A idéia de que mudanças radicais acontecem a cada quarenta anos aplica-se a outros países?
Sabemos que esse ciclo geracional é válido para o mundo anglo-saxônico. Na Inglaterra faz sentido. Na Austrália e no Canadá também. Falei com jovens da China que dizem que a geração americana de 1968 era parecida com a geração maoísta, e que a geração americana do milênio se parece com a atual geração chinesa. Mas, para sabermos se o ciclo é amplamente válido, teríamos de aprofundar as pesquisas. Seria um estudo fascinante.
A geração de 68 tinha traços semelhantes na França, nos Estados Unidos, na China ou no Brasil, não?
Há uma particularidade interessante, pelo menos nos Estados Unidos. A geração de 68 é freqüentemente retratada como revolucionária e esquerdista, mas as pesquisas mostram que era uma geração muito dividida. Na verdade, a parcela conservadora e direitista era ligeiramente superior.
A geração de 68 deu certo?
É difícil dizer, mas certamente o pessoal de 68 compunha uma geração mais empenhada em afirmar valores e contestar a autoridade do que em solucionar problemas. Era a geração que não acreditava em quem tinha mais de 30 anos...
No Brasil, o ano de 1968 acabou com uma ditadura mais fechada.
É bem diferente, mas, nos Estados Unidos, 1968 acabou com a eleição de Richard Nixon, dando início a uma era de supremacia republicana que dura até hoje. De 1968 a 2004, de dez pleitos presidenciais, os republicanos ganharam sete.