O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
A morosidade com que a PEC está tramitando é explicada pela resistência de muitos políticos a uma medida moralizadora que fecha as portas para a velha praga do empreguismo. Com 81 parlamentares, o Senado emprega 6,2 mil funcionários, dos quais 2,8 mil são nomeados por livre indicação. Com 513 deputados, a Câmara emprega 16,6 mil. Muitos deles, nomeados para ocupar cargos comissionados e os chamados "cargos de natureza especial", são parentes até terceiro grau de congressistas. Há alguns anos, quando órgãos de comunicação pediram a lista de servidores do Legislativo, a direção da Câmara não forneceu os dados e baixou uma portaria determinando que essa solicitação só poderia ser acolhida se fosse feita pelo procurador-geral da República.
Não é difícil entender a razão de tanto segredo e de tanta resistência à entrega desses dados. As poucas listas de servidores divulgadas revelam casos de nepotismo, desvio de função e funcionários fantasmas, envolvendo de simples assessores a integrantes da alta cúpula de partidos políticos. Uma das práticas mais comuns entre deputados e senadores é a indicação de parentes para integrar equipes de trabalho de colegas. É o chamado "nepotismo cruzado".
Na última quinta-feira os jornais noticiaram que o filho do ministro das Comunicações, Hélio Costa, que é senador licenciado, é funcionário fantasma do gabinete do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Contratado em 2003 com um salário de R$ 2,6 mil, o filho de Costa mora em Juiz de Fora, onde estudou comunicação social e trabalhou como designer. Indagado a respeito das funções de seu assessor, Ribeiro respondeu que jamais falou com ele e que não o conhece.
Para impedir que um parente de um deputado ou senador seja indicado para trabalhar no gabinete de outro parlamentar, o texto aprovado pela CCJ impede a nomeação de familiares dentro de um mesmo Poder. Quem descumprir a regra sofrerá ação por improbidade administrativa. E o ato de nomeação do familiar será automaticamente anulado. A única exceção é para parentes que ingressarem no Poder por concurso público ou que já ocupavam funções antes da eleição ou nomeação do parente. Medidas semelhantes já foram adotadas, sob forte resistência corporativa, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Para ser aprovada, a PEC precisará do voto de 49 dos 81 senadores, em duas votações. Se passar, seguirá para a Câmara, onde necessitará de 308 votos favoráveis, dos 513 deputados, também em dois turnos. Como se vê, ela terá uma tramitação difícil e o tom da resistência foi dado pelos dois senadores que votaram contra o projeto na CCJ. "É preciso se cercar de pessoas de confiança e não há problema em ter algum familiar que você confie", disse Wellington Salgado (PMDB-MG). O senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) afirmou que não conhece um único político que não tenha empregado parentes, "a não ser que ele seja filho de chocadeira". A resposta partiu do líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). "Já que estamos na granja, não tenho notícia de que nenhum galo ou galinha tenha nomeado parente para alguma coisa", disse ele.
Configurando uma praga desde os tempos das capitanias hereditárias, o nepotismo no serviço público se agravou há 20 anos, após a promulgação da Constituição de 88. Em vez de proibir sumariamente o empreguismo de parentes, a Carta deixou brechas que propiciaram uma explosão de contratações de pais, mulheres, filhos, irmãos e primos de dirigentes dos Três Poderes. A PEC que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado acaba de votar é uma excelente oportunidade para fechar essas brechas.