Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 31, 2008

O sucesso de uma construtora de casas populares

Pia de mármore para a classe C

Casas populares com pequenos luxos: eis a fórmula encontrada
pela Rodobens para tornar-se a construtora que mais cresce no país


Marcos Todeschini e Renata Betti

Lailson Santos
Itallo Pontes e a família em frente à casa nova, em São José do Rio Preto: o sonho deles sempre foi morar num condomínio com churrasqueira e piscina


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Quadro: Casa pronta em um mês

Vivem longe das grandes cidades 4 milhões de brasileiros que compartilham uma mesma aspiração: eles não apenas miram a casa própria como a idealizam encravada num condomínio, com churrasqueira no jardim e revestimento de mármore na pia do banheiro. Apesar de ter chegado à universidade, esse grupo tão ávido por pequenos confortos e luxos não ganha muito. Com renda familiar de até 3.500 reais, são brasileiros da classe C. O perfil deles foi traçado com base numa pesquisa conduzida pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O estudo chama atenção para uma parcela da população brasileira que jamais foi dona de um imóvel, mas agora começa a se ver em condições de ter um – e, ainda que sem tanto dinheiro no bolso, sonha alto. Vender para essa gente é um desafio sobre o qual as grandes empresas brasileiras de construção civil estão hoje debruçadas. Nenhuma delas cresce tanto quanto a Rodobens Imobiliária, empresa aberta há dezessete anos, com sede em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo: o faturamento aumentou 363% em relação a 2006, chegando a 530 milhões de reais. O impulso veio justamente das casas vendidas à classe C no interior. Diz o engenheiro Eduardo Gorayeb, o presidente da Rodobens: "Entendemos o básico: ninguém quer morar em condomínio com cara de cortiço".


Lailson Santos
Eduardo Gorayeb, o presidente da Rodobens: quando importou os moldes para o Brasil, ele foi tachado de "louco"

O interesse de empresas como a Rodobens em desbravar hábitos e gostos da classe C cresce num contexto em que 20 milhões de brasileiros foram guindados a essa faixa de renda nos últimos dois anos. Quase metade da classe C ainda não tem casa própria, seja em grandes cidades, seja no interior do país. A maioria das empresas escolheu as metrópoles para começar a investir em casas populares, sobretudo por já ter fixado ali suas operações. Com certa saturação do mercado em algumas dessas cidades, o interior passou a oferecer duas vantagens: terrenos maiores e mais baratos – e menos concorrência. Uma das razões para o sucesso da Rodobens se deve justamente ao fato de ter despertado para esse mercado antes dos demais.

A outra diz respeito a uma experiência acumulada desde 1949, quando o descendente de italianos Waldemar Verdi, hoje com 90 anos, abriu a primeira de uma série de 95 empresas no interior, todas no ramo de transportes. Juntas, elas faturam hoje 6 bilhões de reais. Foi de Verdi a iniciativa de investir na primeira concessionária de caminhões Mercedes-Benz no país. Desse tempo, ele traz um aprendizado: no interior, as pessoas não têm o hábito de deixar de pagar o que devem, porque a notícia logo se espalha. Daí a tomada de uma decisão crucial para a Rodobens, de dispensar a exigência do comprovante de renda dos clientes – um atrativo para quem não tem emprego formal ou fixo. Funcionou. Apenas 2,5% deles devem dinheiro à empresa, um terço da taxa de inadimplência registrada no restante do mercado.


Fotos Roberto Allen e Lailson Santos
Churrasqueira, pia de mármore e piscina: sonhos de consumo

Em nenhum outro tipo de construção a busca por soluções para cortar custos é tão obsessiva quanto numa casa popular. Por motivos óbvios: o preço baixo é, de longe, o que mais define a compra na classe C. Justamente por isso algumas das grandes empresas ainda têm dificuldade em chegar ao interior. A Cyrela construiu recentemente casas populares em cinco cidades – todas próximas a capitais e com mais de 300.000 pessoas. Diz Antonio Guedes, diretor na empresa: "Nossa estrutura está em cidades grandes; portanto, os custos fixos são naturalmente mais altos. É difícil chegar com um preço competitivo ao interior, especialmente em cidades menores". A Rodobens rivaliza, basicamente, com a construtora mineira MRV, uma das maiores do país, há quinze anos no interior. Em relação a ela, que também foca o mesmo público, tem a vantagem de conseguir oferecer preços um pouco mais baixos. Isso se deve, principalmente, à aplicação de uma tecnologia criada nos Estados Unidos e usada pela primeira vez em casas populares no México, em 2001. As paredes são erguidas por meio de moldes de plástico dentro dos quais é injetado o concreto líquido. Cada conjunto de moldes custa caro – algo em torno de 1 milhão de reais. Isso fez com que o engenheiro Eduardo Gorayeb fosse tachado de "louco" quando resolveu replicar a idéia no Brasil. Mas, com o sistema a que ele se refere como uma "espécie de Lego", foi possível economizar 40% em mão-de-obra e construir uma casa na metade do tempo (veja o quadro).

Usar módulos para construir casas não é novidade. A técnica surgiu na Europa da década de 20, devastada no pós-guerra. Nesse tempo, calculava-se que 25% do material era desperdiçado na construção de uma casa. Com a padronização das peças, não só a perda de matéria-prima caiu para 10% como se tornou possível construir prédios em ritmo mais rápido. Foi com a utilização de módulos que países como a Alemanha conseguiram livrar-se em apenas quinze anos de um déficit habitacional de 5 milhões de casas. O modelo chegou ao Brasil na década de 60, quando o governo decidiu investir em fábricas de peças moduladas para a construção de casas populares, que se espelhavam nas européias. Funcionou até que o Banco Nacional da Habitação (BNH), financiador na compra das casas, fechou as portas, em 1986. Algumas construtoras brasileiras resolveram, então, adotar o sistema. A mais bem-sucedida delas foi a InPar, comandada pelo empresário Alcides Parizotto. Impulsionada pelas casas em módulos que espalhou em 34 cidades brasileiras, a empresa acumulou um patrimônio de 720 milhões de reais desde 1992.


Mario Rodrigues
Condomínios em São Paulo: as grandes construtoras ainda têm dificuldade de chegar ao interior

Num país onde a economia prospera, a construção civil é sempre um dos setores que mais crescem. Enquanto o PIB chinês aumentava 11% no ano passado, os guindastes se esparramavam pelo país a um ritmo três vezes maior. No Brasil, a previsão para 2008 é que a construção civil cresça 10,8%, e no interior o ritmo será duas vezes maior. Isso explica o fato de 25 empresas do setor terem capital na bolsa, com o objetivo de juntar dinheiro para seus ambiciosos planos de expansão. É o caso da Rodobens, cuja meta é chegar a 14.000 casas em dez cidades do interior até o fim do ano. Nenhuma outra do ramo teve as ações valorizadas tanto em tão pouco tempo: só no dia em que abriu o capital, em janeiro de 2007, suas ações subiram 17%, uma evidente aposta na empresa – e no próprio setor. A expansão do crédito imobiliário no país, cinco vezes maior hoje do que uma década atrás, deu outro impulso a empresas como a Rodobens. Elas têm mais facilidade em vender suas casas – e gente como o universitário Itallo Pontes, 31 anos, consegue pela primeira vez comprar uma. Assim como seus vizinhos num condomínio em São José do Rio Preto, ele não apenas planejava fazia tempo tornar-se proprietário de um imóvel como sonhava com certos luxos, entre os quais acesso a uma churrasqueira ("a vida fica mais sem graça sem ela") e piscina ("a do meu condomínio tem 125.000 litros"). Em sua casa de 67 metros quadrados, que pagará ao longo dos próximos vinte anos, ele diz: "Para começar, está bom".





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