O Reino da Caveira de Cristal se esforça muito
para agradar – e, pior, nem sempre consegue
Isabela Boscov
Cate, como a soviética Irina, e Ford: ela mastiga o cenário e ele é engolido pelo roteiro |
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Na semana passada, uma reportagem de VEJA explorou os bastidores de Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, Estados Unidos, 2008). O filme era um segredo guardado a sete chaves e deixava em suspenso uma pergunta: Harrison Ford, sessentão, manteria acesa a chama do personagem? Com o filme em cartaz no Brasil desde quinta-feira, já se sabe a resposta. Ford não se mostra minimamente superado. Ele reconfirma que nasceu para o papel e continua sendo a melhor parte da aventura. A aceleração vertiginosa do cinema de ação tampouco tirou o lugar de um entretenimento um tantinho mais lento como este aqui – seu ritmo é um alívio diante de tanta hiperatividade. Num aspecto, contudo, dezenove anos de espera pela continuação de uma das séries mais criativas do cinema foi tempo demais. A demora afetou o prazer e a espontaneidade com que o diretor Steven Spielberg e o produtor George Lucas conceberam os três primeiros episódios da franquia, e que não resistiram à maquinação excessiva envolvida em O Reino da Caveira de Cristal.
Na superfície, esse quarto episódio se parece muito com os anteriores. Em 1957, o arqueólogo Indiana é de novo alvo do interesse de um governo totalitário que quer se beneficiar de seu conhecimento – agora os soviéticos, personificados pela militar Irina Spalko (Cate Blanchett, mastigando o cenário, como convém). O conhecimento em questão tem a ver com o célebre "caso Roswell", de 1947 – a suposta queda de uma espaçonave no Novo México, da qual teriam sido recolhidos os corpos de alienígenas –, e conduz a um outro artefato lendário, um crânio de cristal associado à mitologia maia. Para encontrá-lo antes dos soviéticos, Indiana, como sempre, terá de se valer de ajudantes de valor questionável, como o comparsa Mac (Ray Winstone) e o jovem Mutt Williams (Shia LaBeouf), que, como o arqueólogo virá a descobrir, é filho de seu grande amor do passado, Marion Ravenwood (Karen Allen). E aí começam os problemas. Em Os Caçadores da Arca Perdida, Harrison e Karen tinham uma química fantástica – a qual não existe mais. Winstone é um ator sólido, mas seu personagem está longe de sê-lo. E, contraposto à simplicidade de Ford, Shia soa ruidoso e dispersivo. Indiana, portanto, não depende apenas de um vilão à altura para que o seu melhor venha à tona. Ele necessita igualmente de bons parceiros, como o incomparável Sean Connery de A Última Cruzada. Sem essa combustão entre Ford e os atores que o cercam, seu humor seco perde aquele estampido e, com ele, muito do prazer que poderia proporcionar.
O mais difícil de explicar a contento em O Reino da Caveira de Cristal é a inferioridade do roteiro. Ele rodou de um para outro dos melhores profissionais do ramo durante anos. Quando Spielberg, Lucas e Ford se decidiram pelo tratamento de David Koepp, de Homem-Aranha, imaginava-se que teriam encontrado a perfeição. O que o espectador encontra é outra coisa: à parte alguns momentos em que aquele velho júbilo da série é revivido, o que se tem é uma história que se alonga em explicações desnecessárias, cujo tom reminiscente de Eram os Deuses Astronautas? há de irritar a muitos e cujos saltos desajeitados nada têm em comum com a fluidez dos três primeiros filmes. Ver Indiana Jones em ação tem de ser uma experiência semelhante à de assistir a Mikhail Baryshnikov dançando O Corsário: sabe-se que chegar àquele efeito exigiu um trabalho descomunal, mas ele nunca é percebido. Aqui, o esforço é visível. E nada poderia estar mais fora de compasso com o espírito desse personagem que, em si mesmo, continua atraente: primeiro, querer agradar – e, o mais grave, nem sempre conseguir.