Ethevaldo Siqueira
Suponho que muitos leitores vivam ou já viveram essa mesma situação. A todos eu digo: não se deslumbrem diante da tecnologia, por mais fascinante que ela seja. A vida tem coisas muito melhores.
Ao fazer meu diagnóstico, concluí que eu me havia transformado num usuário obsessivo dessa parafernália tecnológica que nos cerca. Alguns amigos mais próximos me punham apelidos ridículos: webdependente, bitnômano, celularmaníaco, audiovidiota.
Reconheci o problema em toda sua extensão e busquei remédio em diversos locais. Quase tudo em vão. Na internet só encontrei sugestões bizarras, desabafos, protestos e gritos de insatisfação como: "Um dia sem internet. Um dia sem o Google ou sem o celular". Ou propostas de fuga para uma espécie de paraíso perdido: "Quero uma casa cercada de flores na Serra Gaúcha, sem TV, sem computador, sem messenger, sem Orkut, sem e-mails, sem telefone".
Depois de longas sessões com um grupo de amigos que viviam o mesmo drama - a que eu chamei de Neuróticos Digitais Anônimos -, aprendi que não podia mais passar 6 ou 8 horas por dia na internet. Nem viver ansioso, consultando obsessivamente meu smartphone, em busca de e-mails urgentes, em restaurantes, hotéis ou aeroportos, como tantos executivos e jornalistas que conheço.
REAJA, LEITOR
Se o seu problema é o mesmo, leitor, reaja. Arme-se com mais tecnologia, para defender-se de sua tirania. Seja mais frio diante dos avanços digitais e resista ao fascínio que eles exercem. Nunca perca o senso crítico diante deles. Um amigo, pragmático, me aconselhou: "Use a tecnologia a seu favor, para relaxar, para divertir e para fugir da rotina".
Ao final, me curei sem precisar banir a internet nem as novas tecnologias, para sempre ou por apenas por um dia. Apenas aprendi a dosar sua utilização para o resto de minha vida. Esse é o segredo: trabalho e lazer na medida certa. Por isso, os acessórios mais importantes de meu desktop são hoje as novas caixas acústicas do sistema de multimídia. Com o melhor áudio estéreo, posso interromper meu trabalho por alguns minutos, para ouvir música.
A cada hora de trabalho diante do computador, faço uma pausa de cinco minutos. Nesse intervalo, ouço, às vezes, a Balada nº 1 de Chopin, com Arthur Rubinstein, numa gravação em Super Audio CD. Fecho os olhos e me sinto transportado para a Sala São Paulo ou para a Concertgebow, de Amsterdã.
Com disciplina e planejamento, consegui mudar radicalmente meus hábitos de workaholic digital. E, creiam, hoje trabalho menos e produzo mais. Consigo estar à frente das necessidades. Cumpro rigorosamente os compromissos de lazer e sou mais flexível com as obrigações de trabalho.
Não navego mais a esmo na internet. Só consulto locais específicos e volto às tarefas anteriores. A não ser que seja pelo prazer de visitar uma Wikipédia ou sites muito especiais, como www.prs.com ou www.ted.com. Tudo sem neurose.
Neste fim de semana, estarei voando para a Finlândia, numa longa viagem. Diferentemente do que fazia no passado, não passarei três ou quatro horas debruçado sobre o laptop, escrevendo no avião. Minha prioridade agora é relaxar. Com meu fone de ouvido cancelador de ruídos (noise cancelor) conectado ao meu iPod, poderei ouvir pelo menos duas horas de Vivaldi, Bach, Beethoven, Brahms ou Chopin. Com o noise cancelor, o ronco das turbinas se transformará num leve ruído de fundo e eu poderei curtir o Canon de Pachelbel e, depois, mergulhar em sete horas de sono.
Ao retornar de viagens como essa, terei que enfrentar a defasagem de fusos horários, o terrível jet leg. Nas primeiras noites de insônia, meu remédio será afundar-me numa poltrona, diante do home theater e rever um show de Andrea Bocelli, Under the Desert Sky, em Las Vegas, o primeiro com canções populares em inglês e espanhol.
O receituário que aprendi com os Neuróticos Digitais Anônimos reúne conselhos que funcionam, leitor. Pense neles. Interrompa seu trabalho, para relaxar, para ouvir música ou para três minutos de alongamento. Aprenda a respirar. Você se sentirá outro.
Desligue seu celular nos fins de semana e consulte a caixa postal apenas uma vez por dia no sábado e no domingo. Pratique algum esporte. Tome mais sol e caminhe em praias desertas, ao amanhecer. Brinque com seus filhos. Viaje nas férias sem laptop. Ouça muito mais música. Troque o uísque por suco de frutas. Nas horas vazias, leia mais. Estou curtindo um livro excelente: Breve História de Quase Tudo, de Bill Bryson. Nas últimas férias li Jorge Amado, Lya Luft, Machado de Assis e Carl Sagan.
Em síntese: faça como eu, liberte-se da tecnologia.