O Globo |
2/5/2008 |
A decisão da agência de risco Standard and Poor"s de dar ao país um selo de qualidade em relação à sua capacidade de pagamento das dívidas nos coloca no mesmo nível dos demais países emergentes considerados as futuras potências econômicas, como a Rússia, a Índia e a China. Houve um período, por volta de 2006, em que alguns analistas internacionais defendiam que a sigla Bric, criada pelo banco de investimentos Goldman Sachs para identificar esses futuros líderes mundiais, deveria perder o B de Brasil, que não conseguia deslanchar sua economia. Hoje o país está firmando sua posição entre as grandes economias do mundo, mas precisa dar novos passos, realizar as reformas estruturais, porque continuamos com deficiências graves na saúde, na educação, na infra-estrutura. Temos ainda muita coisa para fazer para atingir a situação de país realmente desenvolvido. Estamos no último estágio dos países considerados seguros para investidor. Entramos no ano passado no grupo dos países de alto desenvolvimento de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, mas ainda somos os últimos dos primeiros, isto é, o Brasil ocupa o 70º lugar na lista dos desenvolvidos. O IDH é uma medida relativa do bem-estar de uma população que leva em conta fatores como alfabetização, educação, esperança média de vida, natalidade. Os progressos mais acentuados do país foram registrados entre 1995 e 2000, quando o índice aumentou 4,78%, passando de 0,753 a 0,789. O aumento entre 2000 e 2005 foi de 1,39%, o que nos levou a 0,800, índice mínimo para um país ser considerado no grupo dos de alto desenvolvimento. Esse avanço deveu-se, sobretudo, à distribuição de renda realizada por meio do Bolsa Família e outros programas assistencialistas do governo. O Brasil tem conseguido, assim, unir os avanços sociais ao econômico, estando hoje entre as dez maiores economias do mundo. Estudo da Cepal realizado em 12 países da América Latina mostra, no entanto, que a redução da pobreza e da indigência ocorreu em todas as nações da região, com a maior parte dos países registrando média de mais de 5 pontos percentuais de redução entre 2000 e 2006. O Brasil, segundo a Cepal, teve redução de 4,2 pontos percentuais em ambos os indicadores entre 2001 e 2006. O grande avanço na educação ocorreu com a universalização do ensino fundamental, na gestão tucana, mas ainda não conseguimos avançar na melhoria da qualidade do ensino. Os estudantes brasileiros estão entre os piores do mundo em matemática, leitura e ciências. Ontem mesmo, um estudo da Unesco mostrou que o índice de repetência dos alunos brasileiros do ensino fundamental só é menor que os de países da África. A deficiência em nosso sistema educacional, aliada à corrupção, falta de segurança, alta carga tributária, o excesso de burocracia e uma taxa básica de juros de dois dígitos, fazem com que o Brasil perca a competitividade em relação aos outros emergentes. Segundo o IMD, respeitado instituto de economia que mede a competitividade internacional, apenas 15 países estão perdendo terreno para os Estados Unidos, entre eles o Brasil, enquanto nossos parceiros de Bric estão reduzindo essa diferença. No Ranking de Competitividade Global elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, uma das referências internacionais para avaliar as condições de investimentos de cada país, entre 131 países, o Brasil caiu do 66º para o 72º lugar. Após dez anos da mesma política econômica, depois de 14 anos do Plano Real, chegamos na ante-sala do primeiro-mundo. Com o crescimento do PIB nos últimos anos, retomamos um patamar mais próximo da média histórica de 5% do que dos 2,5% dos 20 anos anteriores. E provavelmente melhoraremos nossos indicadores em relação aos demais países. Numa demonstração de mentalidade colonizada, o presidente Lula classificou a decisão da agência de risco internacional como "a chegada do Brasil ao patamar de país sério", numa resposta póstuma à ironia do General De Gaulle, a quem se atribui a frase "o Brasil não é um país sério". Essa mudança de status da economia brasileira tem dois aspectos, o coletivo e o individual. O país teve avalizada sua atuação econômica, dando confiança aos investidores de que tem condições de pagar suas dívidas, decorrência de um processo continuado que vem desde a estabilização com o Plano Real. Portanto, é uma política de governo que vem sendo implementada há pelo menos dez anos, desde que, em 1999, com a desvalorização do Real, implantaram-se as bases de uma política econômica: câmbio flutuante, metas de inflação e equilíbrio fiscal. Não era razoável, porém, imaginar-se que Lula fosse um estadista e encontrasse lugar em seu discurso de auto-elogio para lembrar que sem as medidas tomadas no governo de seu antecessor não estaríamos onde estamos hoje. Se bem que o ex-ministro Antonio Palocci, no auge de seu sucesso no comando da Fazenda, teve a grandeza de destacar publicamente, em diversas ocasiões, que, sem o saneamento dos bancos, sem a política de metas de inflação e, sobretudo, sem a Lei de Responsabilidade Fiscal, não teríamos progredido tanto na economia. Palocci chegou a dizer, certa vez, que Malan "merecia uma estátua" por tudo que fizera, atraindo os petistas que viviam a falar da "herança maldita". A continuidade dessa política, especialmente levando-se em conta que ela foi mantida por um partido que chegou ao poder vindo da oposição, e não os arroubos políticos megalômanos, é o que marca o amadurecimento do país. As instituições são permanentes e independem do governo do momento. Do ponto de vista político, no entanto, é claro que essa é uma vitória que vai para a conta individual do presidente Lula. E é natural que assim seja. |
Entrevista:O Estado inteligente
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