Artigo |
O Estado de S. Paulo |
7/1/2008 |
Acreditar neste governo é pior do que acreditar em mentirosos. Estes, pelo menos, se deixam ver como tais, sem muitos subterfúgios, enquanto nosso presidente e seus ministros agem sem nenhum pudor. Não têm, propriamente, vergonha na cara. O mínimo que se poderia esperar de um governante seria uma posição de estadista, atento às suas palavras e preocupado com a sua honestidade, com a veracidade do que diz. Contudo seria, tudo indica, esperar demais. O presidente Lula declarou em alto e bom som que não aumentaria os impostos, logo após ser derrotado em sua tentativa de prorrogar a CPMF. Chegou a fazer discursos grandiloqüentes sobre a democracia e as virtudes republicanas, assumindo a postura de alguém que sabia fazer perfeitamente a distinção entre os momentos de vitória e de derrota. Colocou-se em sintonia com o Senado e, sobretudo, com a opinião pública nacional. Desmentiu o seu ministro da Fazenda quando este, afoitamente, já anunciava um novo aumento dos impostos por vir. Naquele momento, este apareceu desprestigiado, tendo recebido uma advertência pública. É como se Lula parecesse alinhado com os democratas e os tucanos! Um observador desatento não teria notado a diferença! Ora, o mesmo ministro Mantega vem agora a público declarar um aumento dos impostos via elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com evidente prejuízo para o setor produtivo e para os cidadãos em geral. É como se a palavra nada valesse, sendo de uso descartável. No entanto, na tentativa de manter as aparências, o mesmo ministro Mantega chegou a dizer, e, pelo visto, sem enrubescer, que “o presidente Lula disse que não mexeria na área tributária em 2007 e de fato não o fez. Estamos fazendo em 2008 e, portanto, está dentro daquilo que foi estabelecido”. Deveria ganhar o prêmio Pinóquio! Ele certamente deve considerar os senadores que fizeram a negociação relativa à prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) um bando de paspalhos, que acreditaram na sua palavra e na do presidente da República. Na melhor das hipóteses, os senadores não teriam compreendido o significado das palavras, por não estarem à altura da sapiência governamental! Quando o presidente assegura que não haverá aumento de impostos, ele está simplesmente dizendo que, naquele momento preciso, não haverá aumento de impostos, nada prejulgando sobre os minutos seguintes! A sua palavra tem uma validade instantânea, a do tempo de sua enunciação. No instante seguinte, serão outras palavras, com outros significados. As palavras, eventualmente, até podem ser as mesmas, mas não significarão a mesma coisa. Fica inclusive a questão: como se pode negociar politicamente se a palavra não tem nenhum valor? Como podem o líder do governo ou ministros negociar com senadores e deputados, se o dito vale simplesmente pelo não dito? Se não há confiança na palavra alheia, como podem as instituições funcionar? Há também um outro problema da maior relevância política aqui embutido, que afeta diretamente o modo de funcionamento das instituições democráticas. O governo foi derrotado no Senado, uma das Casas legislativas. A mensagem foi clara: um órgão representativo da soberania popular disse não ao aumento dos impostos. Fazendo ouvidos moucos, o governo passa a um desrespeito manifesto a uma decisão legislativa, que tinha seguido todos os seus trâmites legais. E o fez utilizando dois instrumentos claramente discricionários: um decreto e uma medida provisória. O decreto permite ao Poder Executivo aumentar o IOF sem consultar o Poder Legislativo, nem submeter a decisão ao seu controle. Na verdade, trata-se de arbítrio o mais puro, arrogando-se o governo o direito de interferir diretamente nas relações de propriedade, sem consulta aos cidadãos. Quaisquer elevações de impostos, contribuições e taxas nada mais são que transferências de propriedade, o governo apropriando-se de um bem que não é seu. Ele não poderia, de modo nenhum, utilizar um tal instrumento administrativo como se fosse um “direito” seu, o “direito” de se apropriar dos recursos alheios. Sociedades democráticas são as que submetem tentativas desse tipo ao controle do Poder Legislativo. Nossos parlamentares deveriam, nesse sentido, criar um instrumento legal que coíba tais atos de arbitrariedades governamentais. De um modo geral, deveria valer para todos os atos que afetassem os direitos de propriedade, como, por exemplo, as instruções normativas do Incra. A elevação da CSLL deverá ser feita, conforme anunciado, por medida provisória, na qual seria observado o prazo da noventena. Ora, a medida provisória é também um instrumento do governo utilizado para legislar, pois o seu efeito jurídico é imediato, passando a valer no momento de sua edição. O arbítrio reside precisamente no fato de o Poder Executivo passar a atuar como se Legislativo fosse, contando com a anuência de parlamentares que não ousam exercer a sua função. As aparências democráticas são superficialmente guardadas, quando, na verdade, ocorre um tipo de fraude no modo de funcionamento das instituições republicanas. O trâmite legal deveria ser um projeto de lei, que passaria por uma avaliação séria dos deputados e senadores. O que o governo procura evitar é a negociação inerente a esse tipo de processo, em que as diferentes formas de pressão, inclusive da opinião pública, poderiam fazer-se sentir. Cabe, no entanto, o recurso que os srs. parlamentares poderiam utilizar: o da não-admissibilidade da medida provisória, por não observar as condições de urgência e relevância. O Congresso Nacional se mostraria à altura de suas funções e a sociedade brasileira se sentiria novamente representada. Os Pinóquios teriam de mostrar os seus narizes! |
Entrevista:O Estado inteligente
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