Tudo vai bem, mas vem turbulência
Enquanto analistas e acadêmicos continuavam discutindo se as medidas iriam estimular ou não a economia, havia neste fim de semana uma sensação de alívio, de "Ufa, passou". Mas a expectativa é unânime de que a volatilidade do mercado, com altas e baixas, continuará ainda por algum tempo.
O mercado está muito sensível a qualquer notícia, seja ela boa ou má.
Na sexta-feira, bastou que três grandes empresas - Microsoft, Cartepillar e Honeywell - anunciassem lucros melhores para que os índices se elevassem. Mas, em seguida, mudaram de humor.
E a mídia acompanha essa gangorra. Só acho curioso que a imprensa mundial e nacional dê manchetes quando as bolsas caem bruscamente, mas limitam-se a algumas colunas quando elas disparam.
Aqui, a Bovespa chora sempre quando recuamos mais de 4%, mas não se fala muito quando sobe quase 6%, como na quinta-feira, ou fecha o ano com 43% de alta.
Sei que essas oscilações repentinas podem afetar as empresas com ações nas bolsas, mas nem sempre refletem o desempenho delas. Na verdade, a maioria está registrando lucros crescentes.
A situação se agravaria somente quando houvesse quedas não só muito bruscas, mas também contínuas. Se elas caem dois dias e sobem em mais três, como agora, é sinal de que há gente vendendo muito, mas há gente comprando muito também. Ou seja, o mercado livre continua funcionando e as ações se ajustando.
Essa é a razão pela qual a coluna já afirmou que os índices isolados das bolsas nem sempre refletem o que está acontecendo na economia.
ESTÁ PIORANDO OU NÃO?
Vejo pelos e-mails recebidos pela coluna que o leitor quer saber se, afinal, a situação é ruim ou não. A resposta perfeita e equilibrada, correta, está no artigo de capa da respeitada revista britânica The Economist desta semana, que circula aqui só a partir de amanhã - quinta-feira à noite em Londres e em Nova York. O leitor pode ir agora ao site economist.com.
Seus redatores, todos economistas ou com curso superior e vivência de mercado (um dos seus editores foi para a diretoria do Banco da Inglaterra), afirmam que a tempestade das hipotecas transformou-se num furacão.
Em todo o globo, desapareceram mais de US$ 5 trilhões com base no valor das empresas públicas nas três primeiras semanas de janeiro, mas a resposta das autoridades foi mais do que proporcional. Eles acreditam que a redução dos juros foi precipitada, o Fed poderia ter esperado mais uma semana sem sair socorrendo quando as bolsas recuam em movimentos de curto prazo.
Na verdade, afirma a Economist, e esta coluna concorda plenamente, "os preços das ações vêm caindo bruscamente, mas de forma ordenada, e isso não afetou o sistema". Ela admite que os sinais sobre a economia mundial são preocupantes, o crédito não voltará facilmente, o valor dos ativos financeiros cairá, mas os bancos centrais e reguladores têm instrumentos para que a queda não se aprofunde. É só manter a calma.
O MUNDO VAI BEM
Em mais um artigo (?Em algum lugar por cima do arco-íris?), a revista britânica se baseia em dados mostrando que a outra parte do mundo vai bem; os indicadores econômicos sustentam o otimismo, diz. É o mundo dos países emergentes e em desenvolvimento, onde o crescimento aumenta e a miséria recua, com a única exceção da África, na qual proliferam ditadores violentos e milionários, em meio à fome e a violência generalizada.
Com descolamento ou não da economia americana, a verdade é que o mundo de hoje é melhor do que o de 1990.
MUITA HISTERIA
Outro economista, Robert Samuelson, defende também essa mesma linha.
Em sua coluna da revista Newsweek da semana passada, ele reconhece que o cenário não é bom, mas está longe de ser tão ruim como muitos desenham.
Ele escreve: "A verdade é que há, nos comentários atuais, um toque de histeria que não se justifica diante do que acontece na economia. Sim, foi perverso, o mercado imobiliário despencou, mas, no seu pico, ele era apenas 5,5% da economia... Senhores, temos uma economia de US$ 14 trilhões".
E conclui: "Só tempo e paciência vão curar alguns dos problemas econômicos".
Esse cenário americano é válido para a Europa também.
ENTÃO, TUDO BEM PARA NÓS?
Não, porque, se nos preparamos para o presente, não estamos preparados para o que pode vir por aí. Esta coluna tem insistido reiteradamente na tese defendida pelos economistas independentes de que qualquer desaceleração da economia mundial já nos afetará este ano. Acabou a fase de reduzir juro, ainda altíssimos, e o Banco Central já está preparando os espíritos para aumentá-lo.
LEVEZA EM BRASÍLIA
A propósito, aconselho todos a ler o lúcido artigo publicado sexta-feira no Estado, do economista Rogério Werneck Sodré, doutor por Harvard, intitulado ?Abusando da sorte?. Ele analisa e estranha a "leveza" (eu seria mais incisivo...) com que o governo se vem preparando para lidar com os dois problemas que, está mais do que claro, terá de enfrentar: o racionamento de energia e a desaceleração da economia mundial, decorrente da situação do mercado financeiro internacional.
Nos dois casos, afirma Werneck Sodré, o quadro é intrincado, "mas Lula parece não se incomodar". A mesma equipe que nos levou a essa situação energética continua no governo sob o comando da ministra Dilma Rousseff, o novo ministro da área (Edison Lobão) é um político (profissional) totalmente virgem no setor. Já disse que "estava lendo sobre o assunto" e irá decidir como evitar a falta ou escassez de energia! Isso originou até um artigo irônico da Economist.
Na verdade, eu acredito na área dos ministérios econômicos, todos continuam embevecidos com o crescimento deste ano. Parece que, sob o pano de fundo interno e externo, o presidente decidiu baixar um decreto que exige chuvas nos reservatórios, proíbe a falta de energia e declara que não temos nada com a crise externa. Não é nossa, é deles. Dá para acreditar em tanta insensatez? Acho melhor eu ficar quieto, senão o presidente vai me acusar de "derrotista".
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