Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 30, 2008

AUGUSTO NUNES - A absolvição dos assassinos da mata




Jornal do Brasil
30/1/2008

A investigação demorou sete dias. Em rigoroso silêncio, o presidente Lula vasculhou mentalmente a selva à procura de alguma coisa que lhe permitisse atribuir aos suspeitos de sempre também a espantosa reaceleração do desmatamento da Amazônia. Não encontrou impressões digitais de Fernando Henrique Cardoso nas motosserras de Mato Grosso . Tampouco localizou pegadas de George Bush nas matas assassinadas em Rondônia. Ao fim de uma semana, entendeu que não poderia incorporar à herança maldita ou à cupidez do capitalismo ianque as assustadoras radiografias produzidas pelo levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais (Inpe).

À falta de culpados convenientes, o presidente Lula recorreu ao truque que utiliza quando todas as pistas e evidências apontam para delinqüentes de estimação: inocentou todo mundo. "Não é hora de acusar ninguém", comunicou na segunda-feira, durante o programa radiofônico Café com o presidente.

Era mais que um pito endereçado à ministra Marina Silva, que debitou o recrudescimento dos ataques à floresta a produtores de soja e pecuaristas que contam com o olhar complacente - ou a cumplicidade ativa - dos governadores de Estados que aparecem muito mal no retrato produzido pelo Inpe.

Era sobretudo um recado destinado a tranqüilizar os pecadores aliados. São inimigos jurados da floresta, certo. Mas são amigos de Lula, que não é de abandonar companheiros no meio do caminho, muito menos de esquecer governadores aliados no meio da clareira que acabaram de abrir.

A sentença do Grande Juiz absolveu liminarmente, por exemplo, o mato-grossense Blairo Maggi. Quando pressentem a aproximação do rei da soja, árvores centenárias choram como bebês, jacarés se arrastam em alta velocidade, igarapés mudam de rumo. Quando o donatário de Mato Grosso aparece no Planalto, Lula corre para o abraço.

A Amazônia está sob controle, recitou na segunda-feira o presidente que nunca pisou nos grotões da floresta. Só não sabe disso "essa gente que torce pro Brasil andar pra trás", repetiu. Lula prefere sempre olhar para a frente. Talvez por isso não consiga ver os criminosos ao lado e os oportunistas na retaguarda. Concentrado no futuro, ignora os perigos do presente. O desmatamento é apenas um entre os tantos tormentos que afligem a Amazônia. Há também os garimpeiros que caçam minérios associados a índios que, se resolverem combater com arco e flecha, acabarão atingindo o próprio pé. Há as tribos que interditam estradas federais. Há os estrangeiros que viraram donos de territórios colossais. Se sobram problemas, falta governo. Os braços do Estado não alcançam a Amazônia. Se depender de Lula, jamais alcançarão.

O apóstolo da boa notícia

Na reunião do ministério transformada pelo presidente da República numa carnavalesca imitação da Santa Ceia, o mestre ordenou aos 37 discípulos que divulgassem com mais freqüência e entusiasmo as proezas da igrejinha do Planalto. O ministro Pedro Brito, chefe da Secretaria Especial de Portos, só precisou de cinco dias para puxar o cordão dos devotos da boa notícia.

Na noite de segunda-feira, os telespectadores dos canais da TV aberta, aprisionados em cadeia nacional por três minutos, souberam que, graças ao maior governante desde a primeira caravela, existe no Brasil uma Secretaria Especial de Portos. Também souberam que seu chefe era o homem cujos cabelos desbotados imploravam pela tintura que sobrava no bigode negro como as asas da graúna.

Nem dom João VI, que há 200 anos abriu os portos brasileiros às nações amigas, pensara nisso. Tampouco os monarcas e presidentes incumbidos de cuidar do país nas décadas seguintes. Só Lula percebeu que a coisa não funcionaria sem uma secretaria especial - e comandada por alguém como Pedro Brito.

Era isso o que faltava para acabar com a espantosa frota de cargueiros à espera de uma vaga no porto de Santos, ou com as inverossímeis filas de caminhões nos acessos ao porto de Paranaguá. Era isso o que faltava para botar nos eixos um sistema aeroportuário em decomposição. Mas em 2010, balbuciou o artista em seu monólogo. O que não foi feito em 500 anos ficará pronto em três. Está escrito no PAC. A platéia só precisa esperar sentada.

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