Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Míriam Leitão - Mundo mais difícil



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
24/1/2008

O governo escolheu o pior momento, em cinco anos, para fazer a divisão da área de energia entre as partes do seu condomínio fisiológico. A sem-cerimônia com que estão sendo distribuídos, entre os aliados, nacos das estatais energéticas afeta a reputação do Brasil num momento em que a disputa por investimentos aumentará. Este ano vai ser duro e é preciso entender a natureza da crise.

Para enfrentar a crise financeira dos últimos dias, não basta ter o que acumulamos nos últimos anos. O país se preparou para não ter mais crises cambiais como as dos anos 80 e 90. É bom ter todas aquelas reservas acumuladas, superávit em transações correntes, superávits comerciais, dívida externa em queda e o regime de câmbio flutuante funcionando. Isso reduz as vulnerabilidades da economia, mas a natureza da crise que nos abala hoje é totalmente diferente da que, no fim dos anos 90, abateu um por um os emergentes com déficit em transações correntes e câmbio fixo.

A crise agora é no centro econômico do mundo. As bolsas oscilam apenas como conseqüência; o verdadeiro temor é a redução do crescimento mundial, que produziu os últimos cinco anos de crescimento forte, muito dinheiro circulando pelas economias, grandes ganhos nos mercados de capitais, ampliação do comércio internacional.

Essa era acabou, mas não necessariamente este é o começo de uma recessão mundial. Depende da intensidade e duração da crise americana, cujos dados ainda não estão claros. Não está nos balanços das instituições financeiras todo o estrago, que pode chegar a meio trilhão de dólares, dos excessos na concessão de empréstimos. Não está claro o tamanho do encolhimento da economia real. Não é o fim do mundo, mas, sim, um momento de menos capital circulando, menos crescimento do comércio mundial, mais competição pelos mercados.

Imagine, por exemplo, que produtores de bens de consumo chineses tenham que enfrentar uma redução das suas exportações para os Estados Unidos. Eles irão oferecer seus produtos a preços ainda mais baixos em outros mercados. Imagine que, numa época de baixo crescimento, uma empresa globalizada queira ampliar seus investimentos. Será disputada por vários países, que terão que saber como conquistá-los.

Para enfrentar uma crise cambial, o Brasil já sabe o que fazer: na emergência, fazer um acordo com o FMI para assistência de liquidez, suspender artificialismos no câmbio, aumentar a competitividade das exportações e acumular reservas. Esse não é o receituário agora, já que o país não enfrenta uma crise cambial. Para enfrentar uma crise financeira nos EUA, que pode virar recessão, o roteiro é mais complexo, mas uma coisa se sabe: para captar investimentos produtivos em época de escassez, é preciso construir uma reputação de boa localização de investimento, de garantia de fornecimento energético, boa logística, baixo custo de produção.

Como quer ser avaliado pelos investidores diretos um país em que o governo, diante de um alerta do regulador de que há risco de crise energética, sai freneticamente distribuindo a políticos sem qualificação os cargos do setor de energia, como se fosse um espólio de guerra?

É também um péssimo momento para desistir de reformas, para fingir não ver o custo cada vez mais impagável da Previdência, para desistir de desonerar a folha salarial. É uma péssima hora para aumentar impostos, ignorar a necessidade de reduzir as barreiras burocráticas ao investimento, para confirmar tudo aquilo que forma o custo-Brasil.

É ocioso o ministro da Fazenda repetir diariamente que temos reservas cambiais e fundamentos melhores que em qualquer outro momento da nossa História. É verdade, mas não é suficiente. Nossas fragilidades fiscais, políticas, estruturais devem ser combatidas para a preparação da longa jornada que pode ser esta crise americana.

Mesmo tendo o Brasil indicadores muito melhores hoje, o país é afetado pela forma aleatória como são os contágios na economia globalizada. Ontem, por exemplo, o risco-Brasil chegou a subir 4,4% sem que o risco tenha realmente aumentado no Brasil. Os compradores de títulos do governo brasileiro passaram a exigir uma taxa maior, o que se agrava nos momentos de maior tensão. Não há como combater isso, exceto tendo consciência de quais são as fraquezas do país e tendo um plano para enfrentá-las.

O país tem vivido sucessivos escândalos de corrupção, e quem analisa os riscos de investir no Brasil tem dúvidas sobre a garantia de suprimento de energia de longo prazo. Certamente não é o momento para, em vez de garantir energia e gestão técnica do setor, nomear um político com escândalos na família - e ainda se orgulhar disso. As desculpas apresentadas por Edison Lobão Filho são ofensivas. Ele quer mesmo que o país acredite que ele nem sabe a quem transfere propriedades. Alguém vende um bem sem olhar a quem? Quanto ele recebeu dessa pessoa que desconhecia por sua participação na empresa? Esse é apenas um dos vários casos nebulosos. A escolha de Edison pai é apenas uma das várias impropriedades desta vergonhosa partilha da área de energia.

O mundo ficou mais difícil. Tomara que percebam isso em Brasília; em algum momento.

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