O Globo |
24/1/2008 |
Talvez nada defina melhor o ambiente de incerteza que domina os debates aqui no Fórum Econômico Mundial do que a maneira como a crise financeira global está sendo tratada em diversas frentes. Um jornal financeiro suíço foi ouvir o "mago" Paulo Coelho, que falou de como o esoterismo é melhor para prever o futuro da economia do que os especialistas. Segundo Paulo Coelho, diante do desencontro dos especialistas e dos erros de previsão, os rituais esotéricos têm capacidade de atuar até com mais eficácia do que medidas técnicas. Em uma mesa que discutia a retomada da América Latina, houve um alerta para que ninguém se sentisse muito confortável porque "não se sabe ainda o tamanho da Besta". Pragmático, o congressista chinês Cheng Siwei resumiu assim a questão: os chineses poupam no presente para garantir o futuro, e os americanos gastam no presente o dinheiro futuro. Há opiniões diversas sobre o tamanho da crise e sua duração. Desde os que acham, como o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, que ela é passageira e será controlada com instrumentos de política monetária pelos bancos centrais, até os que, como Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley para a Ásia, que acusou o banco central americano de trabalhar voltado para o mercado financeiro e não para o crescimento da economia real americana. "Essa é uma maneira perigosa, irresponsável e imprudente de administrar a maior economia do mundo", criticou Roach. Embora o Brasil mal seja mencionado nos debates, sendo dos países dos Brics ( Brasil, Índia, Rússia e China) o que menos interfere no panorama internacional, o presidente da Petrobras tenta sempre que pode passar a idéia de que o descolamento da economia brasileira é um fato, diante das novas descobertas de petróleo e gás e da relativa independência da economia americana, que hoje representa menos para nossas exportações do que o conjunto da América Latina. Na rodada de atualização da economia, na abertura do Fórum, no entanto, todos os economistas foram unânimes em afirmar que a tese do "descolamento" da crise americana não passa de uma fantasia para todas as economias do mundo. O economista Nouriel Roubini foi festejado como tendo sido o único a prever um "pouso forçado" da economia americana ainda no Fórum do ano passado, combinado com uma crise de crédito. Com esse histórico, Roubini prognosticou que a crise americana pode durar até um ano. Ele alertou que a Europa está sob ameaça também pelo seu próprio problema de financiamento de imóveis e pelos efeitos da crise imobiliária americana no seu mercado bancário. O banco central europeu, que não cortou a taxa de juros fixando-se no combate à inflação, "não reconhece inteiramente o perigo", advertiu. Em outro painel, significativamente intitulado "Se os Estados Unidos espirram, o mundo pega um resfriado?", Fred Bergsten, diretor do Instituto Peterson para Economia Internacional, dos Estados Unidos, defendeu a tese do "descolamento reverso". Para ele, a crise americana será arrefecida justamente pelos países emergentes, que mesmo afetados por ela ainda assim crescerão o suficiente para reduzir as perdas a nível internacional. Ele previu que a economia mundial, mesmo sofrendo um baque, vai crescer cerca de 4% devido aos países emergentes, especialmente China e Índia, que crescerão a uma média entre 6% a 7%. Bergsten afirmou que o governo americano tem uma política intencional de manter o dólar fraco para reduzir o déficit e disse que a moeda americana ainda cairá mais cerca de 10% nos próximos meses. Para ele, seria uma "desvalorização organizada" do dólar. O subsecretário do Tesouro americano, David McCormick, praticamente confirmou a tese, recusando-se a comentar a afirmação, alegando que somente o presidente dos Estados Unidos e o secretário do Tesouro podem falar publicamente sobre a política do dólar. Quando discutiu-se a dependência da economia mundial de países como a China, a Rússia e os do Oriente Médio, estes últimos devido a commodities como petróleo e gás, Fred Bergsten lembrou que a maioria dos americanos, inclusive os congressistas, não se dá conta de que os Estados Unidos são um país devedor, que depende de cerca de US$8 bilhões por dia de investimentos externos para manter sua economia em funcionamento. Uma preocupação específica dos debatedores foi a atuação dos fundos soberanos de alguns países como Kuwait, Emirados Árabes ou Cingapura, que estariam ganhando importância política na crise. Michael Klein, co-executivo chefe para Mercados e Bancos do grupo Citi, não por acaso foi quem chamou a atenção para a questão, pois o Citibank acaba de ser resgatado de sua pior crise justamente por fundos soberanos desses países. Klein destacou o fato de que a globalização, com o intercâmbio tecnológico, tem ajudado muito a arrefecer os efeitos da crise e permite que investimentos sejam feitos com agilidade e rapidez, mas salientou que quando a crise tiver passado terá que haver uma ampla discussão sobre a atuação desses fundos soberanos. Ele acha que alguns aspectos devem ser debatidos, como se os investidores estatais devem ser tratados da mesma maneira que os privados. E, sobretudo, que existam garantias de que "os investimentos desses fundos continuarão a ser comerciais, e não políticos". Paradoxalmente, o executivo do Citi fez questão de ressaltar que grande parte desses fundos são de países "não-democráticos". "O capitalismo e a democracia sempre estiveram intimamente ligados, e esse novo aspecto do capitalismo precisa ser discutido", ressaltou Klein. |
Entrevista:O Estado inteligente
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