Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 22, 2008

Celso Ming Mergulho

Não adianta puxar demais pelas explicações. Os mercados desabaram ontem porque as pessoas reagiram mais com o fígado do que com a cabeça. Deixaram que o medo assumisse o comando das decisões.

Desta vez, a insegurança está sendo redobrada porque quem devia passar firmeza está vacilando. E a vacilação está no andar de cima, em quem em princípio teria de enxergar melhor as coisas.

Após sua reunião de dezembro realizada para definir os juros, por exemplo, o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), emitiu comunicado em que deixava claro que o problema principal não era a redução da atividade econômica nos Estados Unidos, mas a inflação. E essa era a razão pela qual os juros estavam caindo 0,25 ponto porcentual e não mais. Quinta-feira, o presidente do Fed, Ben Bernanke, tinha outras razões. "Não vejo recessão, mas as condições gerais da economia americana estão em deterioração" - disse. E avançou que o Fed prepara uma redução mais forte dos juros.

Enfim, o que era até então o maior problema da economia podia ficar para depois. E o novo foco das análises, a retração da atividade econômica, embora não confirmada, já exigia redução mais alentada dos juros.

O desconhecimento da verdadeira dimensão dos problemas globais é reforçado por incertezas na área microeconômica. É o que vem sendo apresentado como "fator ponta de iceberg". As pessoas suspeitam de que os bancos continuam escondendo coisas e que novos rombos devem aparecer. E, no entanto, não há quem possa nem confirmar nem desfazer cismas dessa ordem.

Até agora, havia a percepção de que os países emergentes compensariam uma redução de marcha da economia americana. Hoje, já não há tanta certeza disso. E essa nova insegurança ajudou a derrubar os mercados asiáticos.

É possível que, a despeito do que até agora tenham declarado as autoridades do Fed, a recessão já esteja instalada na economia americana. No entanto, no escuro e com essa alma pesada, o mercado pode estar exagerando todos esses efeitos.

Além disso, é preciso levar em conta que estão em curso fatores que, se não forem capazes de reverter a crise, pelo menos tendem a atenuá-la. Os juros já caíram 1 ponto porcentual nos Estados Unidos e até o fim deste mês cairão pelo menos outro meio ponto. Isso significa que mais dinheiro está a caminho para injetar ânimo e haverá de ter algum impacto positivo sobre o consumo.

Por insuficiente que seja e tarde que chegue, o pacote fiscal anunciando sexta-feira pelo presidente Bush também deverá produzir algum alívio. Mas, nesta hora mais escura da madrugada, as pessoas não conseguem enxergar nada de bom.

Além do mais, não é nada desprezível o aumento do poder aquisitivo dos emergentes. Na edição de sábado, o mais respeitado jornal da Espanha, El País, chamava a atenção para a nova capacidade de consumo dos países asiáticos: "Em 1985, o chinês consumia em média 20 quilos de carne por ano. Agora, consome mais de 50 quilos." É óbvio que fatos assim têm conseqüência e já não dependem de que a economia americana esteja totalmente saneada.

Confira

Decepcionou - Ontem, tanto o presidente Lula como o ministro Guido Mantega insistiram no diagnóstico de que o tombo dos mercados foi conseqüência da frustração geral com a insuficiência do pacote anunciado sexta-feira pelo presidente Bush.

Outros preferiram dizer que o presidente americano deveria ter sido mais enfático no seu pronunciamento, como se tudo se resumisse a um problema de comunicação com o público.

São explicações que não explicam nada. Refletem a perplexidade de quem não consegue enxergar o tamanho da crise.

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