Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Carlos Alberto Sardenberg Mérito e sorte




O Globo
24/1/2008

:: As exportações brasileiras decolaram a partir de 2003. O presidente Lula gosta de atribuir esse resultado à sua diplomacia e a suas freqüentes viagens. Se fosse verdade, entretanto, seria preciso admitir que todos os governantes tiveram a mesma idéia, pois todos os países emergentes expandiram suas vendas externas nos últimos cinco anos. E muitos até mais depressa que o Brasil.

Como os demais, o Brasil pegou a onda de um espetacular crescimento da economia global. Todo país que tinha alguma coisa para vender encontrou comprador. E o Brasil, nisso, com muito mérito, tinha muito produto a oferecer, de carnes a aviões.

Dois países, dois gigantes, puxaram essa onda. Os Estados Unidos, o chamado shopping center do mundo, e a China, a grande fábrica mundial. Alguns analistas acrescentam a Índia, o call center. Essa combinação favoreceu os emergentes em geral, que encontraram mercado para produtos de consumo acabados, matérias-primas para movimentar as fábricas e alimentos para os milhões de pessoas que foram se incorporando ao mercado.

O próprio crescimento acelerado dos emergentes, China à frente, diminuiu o peso relativo da economia norte-americana na escala mundial. Mas os EUA continuam sendo o centro do império, representando algo como 25% do produto mundial. E uma parte maior ainda do consumo mundial, já que o consumidor americano sempre gastou mais do que ganhava, usando e abusando de crédito farto.

Só três números para ilustrar: no ano passado, a China deve ter produzido mercadorias e serviços no valor de US$2,7 trilhões. No mesmo período, os EUA importaram do mundo todo algo como US$2 trilhões, tendo consumido internamente cerca de US$9 trilhões.

E o que acontece nos EUA? A partir da crise imobiliária, quando compradores da casa própria de cadastro duvidoso não conseguiram pagar suas prestações, mecanismos de mercado espalharam prejuízo por todo o sistema bancário. Bancos perderam capital e, assim, ficaram com menos recursos para emprestar para empresas e pessoas. Tornaram-se também mais rigorosos na concessão de financiamento.

Resultado, apareceu um baita problema, a forte redução do crédito, numa economia movida a crédito. Considerando que as residências perderam valor e mais alguns outros "detalhes", como a despesa maior com gasolina, a conclusão é direta: o consumidor americano ficou mais pobre. E se ele deixar de ir ao shopping? - esse é o pânico que atinge não apenas os mercados financeiros, mas principalmente a economia real, de empresas, trabalhadores e consumidores.

É certo que esse consumidor americano vai consumir menos. Mas quão menos e por quanto tempo? Questão impossível porque não depende apenas de dinheiro, mas também de confiança. Esta, de sua vez, depende de enorme variedade de fatores objetivos e subjetivos e até mesmo da política. Candidatos presidenciais que empolgassem os eleitores, por exemplo, já dariam uma boa injeção de ânimo. Inversamente, a demora de republicanos e democratas na definição de um pacote de estímulo ao consumo e investimento ajuda a esvaziar os shoppings.

Eis por que os analistas dizem ser impossível prever se os EUA passarão "apenas" por uma desaceleração, crescimento mais lento, ou uma recessão, perda de riqueza. (Ou, na frase clássica: desaceleração é quando seu vizinho perde o emprego, recessão, quando você perde.)

Tudo depende do comportamento de pessoas, inclusive daquelas investidas de autoridades econômicas e monetárias.

Resumo da ópera: o mundo vai crescer menos e todos pagarão parte da conta. Se todos se beneficiaram da expansão global, uma queda no crescimento necessariamente atrapalha a todos. Há muitas variáveis voando, mas está claro que a coisa atinge primeiro aqueles que mais se beneficiaram nos últimos cinco anos, o pessoal do setor exportador.

O bom desempenho brasileiro dos últimos anos se baseou em mérito e sorte. Mérito foi o governo Lula ter preservado a política econômica iniciada com o Real em 1994 e consolidada a partir de janeiro de 1999. Sorte, foram duas maiores: as chuvas, que garantiram energia, e a fase áurea da economia mundial. As duas agora ameaçadas.

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