Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 22, 2008

MINUTO DE SILÊNCIO Percival Puggina



 
 



Zero Hora, 20/01/2008
 
 
            O leitor sabe que o pessoal é barulhento. Carro de som, megafone, passeata, sinetaço, comício é com eles mesmos. Há, porém, na zoeira que fazem, uma clara divergência entre tom e conteúdo. O tom é de luta, conflito, ira. O conteúdo expressa a mais generosa busca da justiça, dos direitos humanos e do amor ao próximo. Silêncio, então, por favor. Peça para que todos à sua volta fiquem absolutamente quietos. É preciso silêncio para ouvir direito. Muito silêncio. Psiu!
 
            E aí? Nada? Nem um pio? Que diabo! Aqui tampouco se ouve coisa alguma. Sabe, leitor, o que estou tentando escutar? O mais tênue sinal de solidariedade de algum grupo político de esquerda em relação às vítimas das Farc. É um silêncio muito constrangedor para quem esteja convencido do radical compromisso da esquerda com os mais nobres sentimentos humanos. E olha que é um silêncio de grandes dimensões. Imenso. Tão comprido quanto profundo. Décadas de silêncio gélido, tumular! Até a reprovação de Lula aos seqüestros, na quarta-feira, foi acolhida com silêncio.
 
            Comecei a buscar informações sobre as Farc quando vi, na imprensa, em meados de 1999, a inesquecível foto de Elvira Cortez com um colar-bomba no pescoço. Lembram? A agricultora se recusara a pagar algo como US$ 10 mil à narco-guerrilha comunista que a extorquia regularmente. Para que a exigência fosse atendida, aplicaram-lhe o artefato, que seria detonado até o pôr-do-sol do mesmo dia se ela não levantasse o dinheiro. Mas o dispositivo acabou explodindo antes. A satânica perversidade daquele crime me levou a estudar a trajetória das Farc. Uma longa seqüência de indescritíveis atrocidades! A chacina da família do deputado Diego Turbay (anteriormente já haviam executado o irmão dele, também deputado, Rodrigo Turbay); o assassinato do bispo de Cali, Isaías Duarte; a explosão do carro-bomba no clube El Nogal, matando 36 pessoas e deixando 172 feridos; o assassinato, no cativeiro, do ex-ministro Gilberto Echeverry e mais uns quantos soldados; as chacinas na comunidade indígena de Toríbio; a execução de nove vereadores de Rivera (Huila), a morte, em junho do ano passado, de 11 deputados que estavam mantidos em cativeiro desde 2002 (segundo as Farc eles teriam perecido sob fogo cruzado durante batalha contra o exército oficial). São apenas alguns fatos dentre centenas que envolvem milhares de presos, mortos e feridos, terrorismo, tortura, produção e comércio de cocaína, seqüestro e extorsão. Coisa de gente muito fina.
 
            O Brasil é signatário, desde 2001, da Resolução 1371 do Conselho de Segurança da ONU contra o terrorismo. E assinou, também, em fevereiro de 2003, uma resolução da OEA com igual intuito. Mas quando se tratou, dias depois, de subscrever o enquadramento das Farc nos marcos daquelas resoluções, o governo Lula caiu fora (companheiro é para essas horas), alegando desejo de se preservar com vistas a uma eventual mediação entre o governo legítimo e a guerrilha criminosa. Sobre mais esse lamentável silêncio, o então ministro do Interior colombiano, Fernando Londoño, fez uma frase definitiva: "Ele quer reservar-se para servir eventualmente de mediador, cargo para o qual ninguém o designou, e não creio que esteja na lista das possibilidades". Pelas mesmas razões, em absoluto silêncio, despacharam os dois boxeadores para Fidel. Psiu!
 



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