Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Alberto Tamer - Governo não quer ver a crise



O Estado de S. Paulo
24/1/2008

Após um dia de ligeiro desafogo com a redução do juro americano, o furacão continuou açoitando o mercado financeiro internacional. O corte foi bom, sem ele seria pior (“um banho de sangue”, como diziam ontem em Nova York), mas não o suficiente para restabelecer a confiança dos investidores. No fundo, diziam, o fato de o Fed não ter esperado uma semana para cortar o juro passou a ser interpretado como sinal de que teme um risco maior de recessão.

A única crítica unânime era que Bernanke está sempre “atrás da curva”, ou seja, tem chegado tarde demais e está remendando, quando deveria ter tentado consertar a crise desde outubro.

VAI FUNCIONAR?
Uma dúvida e uma certeza surgiram ontem. A dúvida é se o consumidor estaria inclinado a gastar em consumo os US$ 800 que o governo vai lhe dar. Temeroso dos desdobramentos da crise, ele pode pagar dívida ou poupar.

Certa vez, Bernanke falou, figurativamente, em “jogar dinheiro de helicóptero, se necessário”, para salvar a economia de uma aflição. É isso o que ele e Bush estão fazendo. Precisa ver se os americanos vão gastá-lo ou guardá-lo.

MAIS US$ 150 BILHÕES?
A certeza é que o pacote é pequeno. Só cobre a cabeça, não os pés. Falava-se em dobrar a generosidade do governo, passar de US$ 800 para US$ 1.600 por contribuinte e mais ainda para as famílias. Afinal, o pacote original representava 1% do PIB, enquanto o socorro dado pelo governo na crise de 2001 foi de 6% do PIB do ano. É verdade que as duas crises são diferentes. Esta é mais ampla.

De qualquer forma, deve vir algo mais, como já prometeram o governo Bush e os líderes do Congresso.

BRASIL IMPRUDENTE
Será? Parece, agora, que sim. Todos insistem que estamos nos saindo bem; os ministros Guido Mantega (Fazenda)e Dilma Rousseff (Casa civil) dizem que, por enquanto, não há nada a fazer. Há, sim, e muito. A ministra, interrogada pelo Estado sobre se o Brasil não deveria tomar medidas preventivas, respondeu: “Se você me disser quais... Não sei qual.” Pois deveria saber. Era só sair do aquário de Brasília e perguntar aos economistas independentes que ficaria sabendo que há muita coisa a fazer desde já.

A coluna conversa quase diariamente com esses economistas independentes, e as respostas são sempre unânimes. Vamos resumi-las para o leitor.

A contaminação pode vir pelo mercado financeiro e pelo mercado mundial. No financeiro, estamos bem, pois o presidente do BC aumentou consideravelmente as reservas cambiais e manteve uma política monetária disciplinada.

O mesmo não acontece com o mercado mundial; deve crescer menos de 6% este ano. Ele já está recuando por causa da retração ou recessão - na prática é a mesma coisa - nos EUA.

Com mercado menor, é preciso esforço maior. É isso que o governo precisa estimular. Como? A primeira medida urgente seria desonerar as exportações e não jogar mais impostos em cima delas.

Outra medida que a ministra não viu é tirar do armário a política comercial. Aqui não é só repensar a carga tributária, mas criar uma linha de prioridades em áreas que ainda somos mais competitivos no exterior, apesar dos juros e do câmbio.

A política comercial inclui acordos bilaterais, Aqui, estamos vergonhosamente na estaca zero, esperando Doha, que, apesar da nova fala do Itamaraty, foi enterrada ainda mais para o fundo com a retração da economia mundial.

A INDEPENDÊNCIA DOS EUA
A ministra Dilma Roussef se regozija porque “não somos mais dependentes dos EUA, temos países importadores na Ásia e na América Latina. Diversificamos! Um erro elementar.
Primeiro, mesmo com os “novos” parceiros, as exportações estão se retraindo, porque economias mais fracas - como a nossa, ainda! - estão sofrendo mais com as retrações americana e mundial. Além disso, são importadores natos de produtos primários. E estes, com preços hoje supervalorizados, serão os próximos a cair, se o mundo crescer menos de 4%, como estimam hoje quase todos os institutos. Sofreremos aqui um duplo baque dos preços e teremos de exportar volume consideravelmente maior para receber menos ou o mesmo. Pergunta: nossa infra-estrutura aceita?

Os EUA são basicamente importadores do Brasil de produtos industriais - não de commodities, que eles também exportam -, menos sensíveis ao novo choque. Por isso, diversificar ajuda pouco nas circunstâncias atuais.

A grande verdade é que diversificamos nossos mercados, mas não mudamos a nossa pauta de exportação. Continuamos vendendo os mesmos produtos. E estaremos expostos se o cenário atual se agravar.

Poderíamos continuar informando sobre o que os economistas independentes afirmam a respeito de ajuste fiscal, causas da inflação, reforma tributária, risco de racionamento de energia.

Mas tudo isso o governo já deve saber. Ou deveria saber. É só falar com quem tem liberdade para discordar sem medo de ser chamado de derrotista.

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