Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Epidemia de bobagens


Artigo - Vinícius Torres Freire
Folha de S. Paulo
25/1/2008

Dia de trégua relativa provoca surto de explicações disparatadas sobre idas e vindas do mercado financeiro

PARECE A CASA do Noca ou da mãe Joana. Costuma causar escárnio e alguma repulsa entediada a especulação sobre os motivos de tais ou quais movimentos do mercado, em especial nos momentos de histeria. Mas ontem foi um dia de ridículo particular.
Para começar, tornou-se mundialmente público o caso do rapaz perturbado, funcionário menor de um departamento pouco lucrativo de um dos maiores bancos da Europa, que criou coberturas fictícias para apostas de dezenas de bilhões de euros no mercado financeiro. Muita gente estranhou a explicação oficial do Société Générale, o banco em questão, sobre como se perderam US$ 7,1 bilhões enquanto se desfaziam as posições montadas pelo rapaz. Mas, ainda assim, o caso tornou-se, espantosamente, um motivo de "alívio" e a base de uma história que explicaria o corte de juros do banco central dos Estados Unidos, o Fed, na segunda-feira.
"Alívio", de certo modo, porque a ação do banco francês nos mercados explicaria o derretimento nas Bolsas européias na segunda-feira. O Fed entraria na história de gaiato, ou porque foi "enganado" por um movimento de mercado muito temporário -embora seria interessante saber o que teria ocorrido no mundo real se um banco do tamanho do Societé Générale tivesse quebrado de fato. Em suma, apesar de o momento ser ruim de fato, dizia-se ontem, não havia motivos extras para causar tanto pânico. O Fed teria caído apenas numa esparrela.
A seguir ouviu-se que os bons números do crescimento chinês teriam amenizado os temores de que a crise americana provocaria estragos grandes pelo planeta. Bem, das colunas da Bolsa de Nova York aos dragões de madeira dourada da Cidade Proibida, todo mundo sabia que o PIB da China cresceria em torno de 11%. Outra cascata.
O plano Bush, por sua vez, ontem ganhava status de medida impactante. Se virá a sê-lo ninguém sabe e não vem ao caso, no momento. Mas até sexta-feira passada o plano era "too little, too late", irrelevante e atrasado, e também um dos motivos aos quais se recorreu para explicar os tombos no mercado do final da semana passada ao início desta.
Caso menor, mas ainda tão ridículo quanto, foi o argumento de que uma pequena queda num indicador indireto de desemprego, anunciado ontem, também teria amenizado temores de uma recessão americana.
Sim, parece um indício de que não começou uma onda de desemprego em massa nos EUA -mas é só o que se pode depreender do indicador, e olhe lá. Mas, ao mesmo tempo em que se apresentava mais esta explicação gambiarra, muitos analistas observavam que são cada vez mais criticados os indicadores americanos sobre o mercado de trabalho, especialmente os mais indiretos. Dado o resultado do desemprego e a calmaria relativa em diversos mercados financeiros, "surgiu a dúvida" sobre qual o talho que o Fed dará nos juros americanos, semana que vem: "pode ser menor do que o esperado". Ao mesmo tempo, em outras rodas do mercado e da mídia financeira anglo-saxã, dizia-se que a trégua nos tombos das ações se devia à quase-certeza de um corte de pelo menos meio ponto percentual nos juros dos EUA. Que ridículo.

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