Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 27, 2008

As promessas não decolaram

O Estado de S. Paulo EDITORIAL
A imprensa, naturalmente, não pode ignorar o que diz uma autoridade, muito menos quando ela foi alçada a uma posição estratégica no governo com a missão de debelar uma crise criada pela incompetência dos seus antecessores. Mas, em atenção ao público, ao divulgar, por dever elementar de ofício, as promessas proclamadas pelo novo homem forte de determinado setor, os jornais talvez devessem agregar-lhes uma advertência como a que os produtores de bebidas alcoólicas são obrigados a incluir na sua propaganda - "beba com moderação". Algo no gênero "não acredite em tudo, para não se iludir nem ficar com a sensação de que foi feito de bobo". A ressalva se aplicaria a uma pletora de políticos que adoram a própria imagem e o som da própria voz, sobretudo quando vêem uma câmara de TV e se põem a discorrer como experts sobre o que mal conhecem pela rama, pouco se lhes dando se o prometido tem alguma chance de ser cumprido.

Há algum tempo não se via uma situação e uma figura pública em relação às quais a advertência se revelasse tão necessária como no caso do ministro da Defesa, Nelson Jobim. Há seis meses, em seguida à tragédia do Airbus da TAM, em Congonhas, ele foi chamado em desespero de causa pelo presidente Lula para enfrentar o apagão aéreo claramente fora de controle. Em tom bombástico, o ex-presidente do STF, e acima de tudo um político que não tira da cabeça a ambição de escalar o aclive do Planalto, cometeu, já no dia da posse, uma deselegância com o inerte antecessor Waldir Pires, que não se demitia e Lula evitava demitir. Anunciou que o seu mote era "aja ou saia", justificando sem sutilezas a demissão. A partir de então, não parou de falar, apresentando uma sucessão de projetos - um pacote, apesar da ojeriza de Lula - que, a julgar pela ênfase e a segurança com que os lançava, libertariam os usuários do transporte aéreo de todos os seus tormentos, da insegurança de voar à incerteza de fazê-lo com pontualidade.

Depois de anunciar todo o pacote, Jobim saiu de cena durante algum tempo, voltando, agora, a falar para dizer que o pacote não era para valer.

O Aeroporto de Congonhas, para começar, que não seria mais aquele desvirtuado centro de distribuição de vôos (hub) que infernizava a vida dos passageiros, mas fazia a festa do duopólio TAM-Gol, e que "não é e não voltará a ser, em hipótese alguma, ponto de distribuição", a partir de 16 de março voltará a sê-lo. Mas o ministro tem uma explicação para o recuo: "Não é que tenhamos errado", sofisma. "É que reassumimos o controle." A verificar. Mas o fato é que ele demorou meses para descobrir que, se era fácil determinar a transferência de aviões para aeroportos pouco utilizados em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro, era impossível mudar as condições econômicas que fazem de São Paulo o maior centro gerador de tráfego aéreo do País.

Jobim também deu o dito pelo não dito em relação à hipotética terceira pista de Cumbica, mais uma vez descobrindo tardiamente as restrições mencionadas de saída pelos conhecedores do problema, principalmente a ocupação irregular do entorno do aeroporto. O terceiro aeroporto de São Paulo, por sua vez, teoricamente não foi esquecido, mas passa por um adiamento depois do outro. Viracopos também fica para o próximo governo. O que se promete fazer, até 2010, é construir novos pátios para os aviões que operam em Cumbica e "reconfigurar" - ou dar uma guaribada, como se diz - os terminais do aeroporto.

Essas são apenas as expressões mais ostensivas dos recuos do ministro. Do conjunto da obra, pelo menos num caso a responsabilidade não lhe cabe - os cortes no orçamento da Pasta e a decisão presidencial de suspender o aumento dos soldos nas Forças Armadas, na esteira da extinção da CPMF. Já a lentidão no revigoramento da Anac e no saneamento da Infraero, por exemplo, ele não tem a quem debitar. De todo modo, o que há de mais criticável na atuação do ministro da Defesa é sua imitigada propensão a confundir o público, desdenhando da sua inteligência. É o que demonstram, além das explicações sobre o pacote que não era para valer, suas aparições, em uniforme de campanha, segurando uma sucuri, numa versão tabajara do Jim das Selvas. Na arte de enrolar, a diferença entre o ministro e o seu chefe é de vocabulário e domínio da norma culta. No mais, o peemedebista Jobim incorporou o jeito petista de administrar, prometendo e descumprindo.

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