Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Alberto Tamer - Fed optou pela inflação




O Estado de S. Paulo
31/1/2008

Inflação ou recessão? Diante desse dilema, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) optou pela inflação. Ontem, confirmou sua política agressiva, reduzindo novamente os juros em 0,5 ponto, o que, somado ao corte de 0,75 da semana passada, traz a taxa básica a 3%, próxima de zero, se descontada a inflação.

É uma aposta arriscada, mas necessária, no clímax atual; não havia outra. É uma medida ousada e corajosa, auspiciosa, que pode ajudar a impedir que a economia americana desacelere ainda mais, levando as outras junto. Era essa a reação geral dos analistas no fim da tarde de ontem.

O Fed estaria errado se insistisse em manter a política que vinha adotando até meados do ano passado, quando afirmava que o risco maior era a inflação. E isso mesmo quando tudo e todos apontavam para um agravamento da crise imobiliária e a inflação estava abaixo de 2%. A idéia de que “tudo está sob controle” permeava as atas do comitê de mercado aberto.

ERROU, MAS ACERTOU
Ben Bernanke, presidente do Fed, hesitou muito, demorou demais, como esta coluna retratou, com insistência, no período de janeiro a agosto do ano passado.

Mas, agora, mesmo atrasado, mas não tardiamente, pois ainda há tempo, ele admite e corrige o erro. No fundo, ele passa a seguir a mesma linha de Greenspan, seu antecessor no cargo, e do presidente Bush na crise de 2001, após o ataque às Torres Gêmeas, de juro menor e socorro fiscal maior para conter a recessão e reativar o crescimento do país.

Aqui, o desafio. Mais dinheiro para o consumidor gastar e juro menor para ele se endividar geram mais demanda interna,sim, mas inflação também. A outra opção seria deixar a economia americana descambar, levando consigo a mundial, que já está em franco recuo.

O Fed aceitou o desafio, consciente do risco. Agora, vai administrar os riscos e enfrentar uma nova luta que, por razões diversas, também é nossa. E que Brasília pare de apregoar que a crise não é nossa e não temos nada com isso.

OS DESAFIOS DO BRASIL

Para o Brasil, os riscos são os mesmos, mas num outro cenário. Há aqui dois fatores:

1) Ao contrário dos EUA e da Europa, estamos crescendo muito, não precisamos estimular o consumo, que já está aquecido, mas temos de enfrentar uma inflação maior que a deles, em decorrência desse próprio aquecimento interno. Ela não precisa de estímulo, mas de algum desestímulo.

2) A turbulência dos mercados deve afetar o fluxo financeiro externo - mais dólares saindo e menos dólares entrando. E precisamos demais desses recursos para aumentar nossas reservas e fortalecer nossa capacidade de resistência à crise externa.

Isso, certamente, já deve estar inspirando o Banco Central a seguir a lógica econômica de aumentar juros para atrair investimentos financeiros e, ao mesmo tempo, conter uma expansão mais forte do consumo interno, que pesa no índice da inflação.

Não deixa de ser uma solução tentadora para acabar com dois problemas de uma vez só.

VAMOS CRESCER MENOS
Essa teoria de aumento de juro no Brasil se fortalece diante do desaquecimento da economia mundial, que afetará nossas exportações; isso reduz o superávit comercial - disponibilidade de dólares -, já em recuo por causa do aumento das importações. E isso, por sua vez, torna mais forçoso atrair recursos financeiros.

Fecha-se o círculo juro maior-inflação menor-mais capitais financeiros externos. Assim, na racionalidade econômica, tudo aponta para uma alta, e não para uma redução, de juro e um crescimento menor neste ano. Já se fala em 4,5%.

Dá para evitar? Dá sim. É só o governo acordar e agir em tempo, com medidas que visem a substituir o excesso de demanda interna pela demanda externa - mercados de outros países. Como a demanda externa está se retraindo por causa da crise, é urgente que se ponha em prática uma política comercial extremamente agressiva e ousada para evitar o pior.

Só que nós não temos nenhuma política comercial! Estamos nos contentando, infantilmente, com brincar de Doha e acreditar na teoria delirante do comércio e integração do Sul-Sul, que, no fundo, nada mais é que comprar dos pobres e vender para os pobres... Uma política de pobres para os pobres. Não é inteligente?

A nova política do Fed retrata uma crise que nos afeta menos, mas afeta. Por causa dos seus desdobramentos econômicos e financeiros, o BC pode aumentar os juros para conter a inflação e atrair dinheiro. Isso que dizer crescer menos. E que Brasília pare de dizer que a crise não é nossa! Que convoque os empresários do setor privado, estes, sim, não o governo, que sustentam a economia, e acerte com eles um plano de emergência para que o País continue a crescer. Palavras e retórica não resistem aos fatos. E os fatos estão aí.

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