Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 30, 2008

Míriam Leitão - Hora de cautela



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
30/1/2008

Várias boas notícias sobre o Brasil foram divulgadas nos últimos dias, misturadas ao aumento das sombras sobre a economia internacional. O crédito se expandiu, a entrada de capital estrangeiro bateu recorde histórico e continuou forte em janeiro, o desemprego caiu em toda a América Latina pelo quinto ano consecutivo. Isso é um alento, mas, neste momento, é preciso ter os pés bem no chão.

Do investimento direto estrangeiro, nem tudo é exatamente para o setor produtivo e nem tudo é para ampliar a capacidade brasileira de produção. Dos US$4 bilhões que entraram em janeiro, US$700 milhões foram da operação da Bolsa de Chicago com a BM&F. Uma troca de ações. O setor que isoladamente mais recebeu recursos externos foi o de metalurgia. Foram US$4,6 bilhões; 13,7% do total. Segundo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, quase todo esse capital é explicado pela operação em que a Mittal comprou a Arcelor. A empresa comprada era a principal acionista, no Brasil, de vários ativos siderúrgicos, entre eles Acesita e CSN, e teve de pagar aos minoritários. Quer dizer, um empresário indiano compra uma empresa européia que tem ativos no Brasil, e isso engorda a estatística de entrada de capital estrangeiro aqui. Só que isso não pode ser considerado investimento produtivo. É compra de um ativo já existente.

O presidente da Sobeet, Luis Afonso Lima, diz que esse ponto não torna a entrada de capital menos importante.

- No mundo inteiro, o investimento em fusões e aquisições é a maioria da entrada do investimento direto estrangeiro. Em plantas novas, ou greenfield, são apenas 33%. No Brasil, é o contrário: 70% são em plantas novas - explica.

Difícil é dizer o que são "plantas novas". A segunda maior entrada de capital foi para "serviços financeiros e atividades auxiliares". Foram US$4,5 bilhões, 13,2% do total. Há um item que deu um salto de US$169 milhões em 2006 e de US$1,6 bilhão em 2007: o de "atividades de sedes de empresas e de consultoria em gestão de empresas".

- São, sim, capital produtivo, mas do setor de serviços, que, aliás, no mundo inteiro é a área que mais recebe capital. O investimento direto estrangeiro no Brasil cresceu 51%, enquanto no mundo inteiro houve um aumento de 17%. Foi o país onde mais cresceu o investimento - destacou Lima.

O setor de infra-estrutura não vê com esse mesmo entusiasmo. Tanto que, assim que foram divulgados os dados esta semana, a Abdib soltou uma nota dizendo que foi o pior número de investimento no setor de infra-estrutura desde 1996. Foram só US$3 bilhões, se forem somados transporte, telecomunicações, energia. Para se ter uma idéia, transporte foi menos que no ano anterior. Um país que está crescendo deveria estar criando muitas oportunidades de investimento em infra-estrutura se houvesse boa regulação.

Sobre desemprego, os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são animadores. Houve uma queda do desemprego nos países latino-americanos por cinco anos consecutivos, o que deixou para trás o pior da crise do começo da década. No entanto, dois fatos preocupam. Primeiro, os mais atingidos pelo desemprego na região continuam sendo as mulheres (cuja taxa de desemprego é 60% maior) e os jovens (120% maior). Segundo, a própria OIT está temendo um aumento do desemprego este ano no mundo. A Organização acha que cinco milhões de empregos serão perdidos por causa da crise americana.

Os dados da expansão do crédito divulgados ontem pelo Banco Central são também animadores, porque o Brasil sempre teve um setor de crédito subdesenvolvido, e esse acréscimo tem a ver com a normalização da economia brasileira. Os juros ficaram menores, o setor imobiliário saiu da estagnação. Nada desse aumento lembra a crise americana. Lá, eles se afogaram em crédito. Mas a continuidade da expansão da oferta de crédito pode ser afetada pela crise. Por enquanto, ainda não existem sinais de encolhimento. O Banco Central, no entanto, avisou ontem que os juros podem ficar mais caros para o consumidor por causa da crise e do IOF.

Há vários bons indicadores na economia brasileira que devem ser comemorados, alguns sinais de reversão que não precisam ser temidos. Por exemplo: o saldo da balança comercial vai continuar caindo, e o país pode ter déficit em transações correntes este ano. Mas nada disso é sinal de risco ou de perigo, como já foi entendido no passado, pois o país tem anos de superávit em transações correntes, uma dívida externa que caiu, um alto volume de reservas cambiais.

O que deve ser evitado agora é o excesso de autoconfiança. A crise exige cautela. Vale pouco comemorar o investimento estrangeiro como recorde e achar que isso é prova de que o país não será atingido pela crise. Vale mais separar o que é realmente investimento em aumento da capacidade produtiva, entender as áreas para onde estão indo os capitais e descobrir por que não estão indo para certos setores que para o Brasil seriam muito necessários, como o de infra-estrutura. Se com PAC, ano de crescimento, mundo crescendo, o Brasil recebeu o menor volume de capital para esse setor desde 1996 alguma coisa está errada. E em época de crise, o investidor fica mais seletivo, o capital, mais raro, e a disputa por investimento, mais intensa.

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