Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 26, 2008

Volatilidade e medo da recessão continuam

A grande indagação


Giuliano Guandalini

Em um cenário positivo...

...o amadurecimento das economias emergentes, em especial Brasil, Rússia, Índia e China, já teria criado uma base sólida o bastante para elas não se deixarem arrastar para o fosso de uma eventual recessão nos Estados Unidos, donos de um quarto do PIB global

Em um cenário negativo...

...uma recessão profunda e prolongada na locomotiva americana traria conseqüências globais adversas, que poderiam variar de uma economia mundial retraída à volta do dragão inflacionário. Muitos países seriam arrastados


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A economia mundial experimentou, nos últimos seis anos, um período de prosperidade rara. A guerra no Iraque e a conseqüente alta no preço do petróleo não tiveram força suficiente para deter a velocidade de crescimento das economias, em especial a dos países emergentes. Antes, fontes de dor de cabeça para seus cidadãos e para o mundo, gigantes como a China e a Índia abraçaram o que a economia capitalista globalizada tem de melhor, a capacidade de produzir riqueza, e incorporaram bilhões de pessoas ao mercado consumidor. Não existe nada parecido na história. Na Antiguidade, o auge da prosperidade foi experimentado pelas pessoas que gozavam do status de cidadãos no Império Romano. Foi uma fase tão gloriosa que só seria repetida na era industrial, quase um milênio mais tarde. Mas nem o Império Romano nem a Revolução Industrial tiraram, proporcionalmente, tanta gente da miséria quanto a globalização financeira e de gestão privada e pública deste começo do século XXI.

Spencer Platt / Getty Images / AFP
Do pânico à euforia: operador da Bolsa de Nova York aliviado pela recuperação do preço das ações


Como todo fenômeno econômico em todos os tempos, a globalização produziu ganhadores e perdedores, solidez e fragilidade. A maior de todas as fragilidades da globalização é justamente o que lhe dá sustentação, a similaridade de processos e a interligação instantânea dos mercados, via internet. Essa situação propiciou, de um lado, o aumento da produtividade e o barateamento dos produtos, dando chance aos países de crescer rapidamente sem despertar o dragão inflacionário. Esse período foi batizado de "a grande moderação". O lado negativo da integração é que a queda de um grande parceiro pode arrastar todos os demais. Foi esse perigo que o mundo correu na semana passada, quando a economia que responde por 25% de toda a riqueza planetária, os Estados Unidos, escorregou feio em uma casca de banana que, paradoxalmente, estava à vista de todos havia muito tempo.

Essa casca de banana foi o crédito amplo e irrestrito concedido a consumidores americanos – em especial, compradores de casa própria – que não tinham condições de pagar. Esses compradores davam como garantia dos empréstimos suas próprias casas, que, para conveniência de todos, eram superavaliadas. Aos poucos, o mercado foi desconfiando da insustentabilidade da manobra e os preços dos imóveis ruíram. Os bancos amargaram perdas bilionárias e fecharam as torneiras do crédito. Como resultado, a economia americana pisou no freio e parece destinada a enfrentar a primeira recessão desde 2001, quando foi atingida pelos efeitos dos ataques terroristas de 11 de setembro. A grande questão não é mais saber se haverá uma desaceleração, mas sim quais serão sua dimensão e seu raio de ação. O mundo, desta vez, estará mais preparado para permanecer nos trilhos sem poder contar plenamente com sua principal locomotiva? Essa indagação está na raiz das turbulências dos mercados na semana passada. A seguir, uma análise da situação econômica mundial e suas repercussões sobre o Brasil na forma de perguntas e respostas.

O que ocorreu na semana passada nos mercados? Na segunda-feira, as bolsas de valores da Ásia e da Europa registraram suas maiores perdas desde os atentados terroristas nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Houve uma onda de pânico detonada pelo temor de que os Estados Unidos mergulhassem em uma recessão prolongada, arrastando parte da prosperidade mundial para o buraco. O foco de vulnerabilidade foram as ações do setor financeiro, especialmente bancos e seguradoras, que registraram prejuízos recordes por causa do estouro da bolha imobiliária americana. A reação em cadeia foi exacerbada na segunda-feira, quando os mercados americanos estavam fechados em razão do feriado que lembra o líder negro Martin Luther King, assassinado em 1968. Sem as bolsas dos Estados Unidos, os operadores do resto do mundo perderam sua principal referência e renderam-se ao efeito manada, vendendo ações de baciada. A fase aguda desses fenômenos de contaminação pelo pessimismo raramente tem uma explicação cabal do que exatamente provocou o estouro da manada. No caso da crise da semana passada, a culpa está sendo colocada em um comentário de um alto burocrata das finanças da França, que alertou sobre a fragilidade do sistema financeiro europeu.

A semana terminou com os mercados financeiros devolvidos à normalidade e em alguns casos, como na Bovespa, houve até momentos de euforia. Isso significa que a crise está superada? Não. A montanha-russa deverá perdurar até o fim do primeiro semestre deste ano. Diz o economista Sérgio Werlang, ex-diretor do Banco Central e diretor do Itaú: "Ainda haverá muita volatilidade mesmo que a desaceleração da economia americana seja menos profunda, no que acredito".

Caso a economia americana entre em recessão, em quanto tempo ela poderá superar o período de estagnação? Nos últimos meses, o Fed tem feito injeções cavalares de liquidez no sistema financeiro, além de ter diminuído o custo do dinheiro (desde setembro, a taxa básica de juro foi reduzida de 5,25% para 3,5% ao ano). O presidente George W. Bush assegurou um acordo com os congressistas para a aprovação de um pacote de estímulo econômico no valor de 150 bilhões de dólares. Além disso, os emergentes passam por um momento extremamente positivo. Tudo isso faz crer que a estagnação teria vida breve, não superior a um ano.

Diz Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas: "Dois fatores podem minimizar a profundidade e a duração da retração americana e da instabilidade nos mercados. O primeiro deles é o novo papel dos bancos centrais no mundo, que aprenderam a gerenciar crises. O segundo ponto é o papel inédito e positivo dos países emergentes".

A ação do Fed e do governo americano poderá reverter a trajetória de desaceleração econômica? Depende de como o consumidor reagirá. Diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências: "O grande ponto de interrogação é a capacidade do sistema bancário de continuar fornecendo crédito aos americanos. Se o crédito diminuir e o consumo arrefecer, a recessão será maior".

Em que esta crise atual difere das famosas crises da Ásia e da Rússia nos anos 90? Desta vez, o epicentro do terremoto fica nos Estados Unidos, a maior economia do planeta. Agora, os tradicionais vilões, as economias emergentes, são parte da solução, e não o problema.

As grandes economias emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China, podem continuar crescendo nas mesmas taxas caso a locomotiva americana pare nos trilhos? O mundo sofre quando o maior mercado consumidor do planeta, o dos Estados Unidos, uma bocarra de 10 trilhões de dólares ao ano, diminui seu apetite. Mas sofre quanto? Menos do que em recessões americanas anteriores. Isso é uma certeza. As razões disso são os fluxos de comércio que não passam pelos Estados Unidos e o crescimento dos mercados internos dos países emergentes, fenômeno de que a China é o melhor exemplo. O PIB chinês cresceu 11,4% em 2007, a maior taxa em treze anos. Mesmo que essa taxa recue para algo como 9% em 2008, ainda assim seu fator estabilizador no mundo se faria presente de forma decisiva.

Em crises passadas, o Brasil sofreu mesmo sem ter responsabilidade direta no desastre financeiro, porque os investidores tiravam o dinheiro daqui para cobrir rombos em seu país de origem. Desta vez pode ser diferente? Tudo indica que sim. Ao contrário das turbulências de 1998 e 2002, as empresas do país têm hoje finanças muito mais sólidas, com baixo endividamento e muito dinheiro em caixa. O governo também fez tudo certo. O Tesouro Nacional tem um confortável colchão de liquidez que ajudaria a enfrentar uma eventual má vontade do mercado em rolar a dívida pública. Com o crescimento das exportações, o Brasil acumulou também reservas em moeda forte suficientes para assustar qualquer ganancioso especulador internacional, como o americano George Soros, notório predador sempre à espreita de crises das moedas nacionais. Prova da confiança inédita no país é a cotação do dólar, que permanece abaixo de 1,80 real. Em outros tempos, ela teria disparado.

Em que cenário o bolso do consumidor brasileiro seria atingido de alguma maneira? O cenário mais negativo seria uma alta abrupta da inflação, o que levaria o Banco Central a aumentar as taxas de juro, freando o crédito e o consumo. Um dos fatores que poderiam elevar a inflação seria o aumento do preço do dólar, como ocorreu em 2002. Mas, como a cotação da moeda americana permanece estável, não há no momento nenhuma nuvem negra que ameace o bolso do brasileiro.

Investir na bolsa brasileira continua a ser um bom negócio? A longo prazo, investir em ações continua a ser um bom negócio. A perspectiva de o Brasil atingir o status de investment grade (país com vontade e capacidade de pagar seus débitos) deverá sustentar a fase de valorização que a Bovespa começou a viver no ano passado.

O que o governo brasileiro poderia fazer para reforçar a couraça que protege o país de ataques externos? De acordo com o economista Tom Trebat, ex-diretor do Citigroup para a América Latina e diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Colúmbia, o Brasil deveria aproveitar o bom momento para fazer as reformas. Afirma Trebat: "O crescimento do Brasil no futuro deverá vir em decorrência de uma melhora da competitividade da economia, com investimentos públicos e privados, reformas regulatórias e tributárias, mais poupança e um ambiente mais favorável aos negócios".

O desafio de cada um

Kathy Willens/AP
BEN BERNANKE
Presidente do Fed desde 2006
Herdou uma economia com inflação em alta e crescimento em baixa. Foi rápido no gatilho e aplicou uma dose cavalar de antídoto na crise

Foram diferentes os desafios enfrentados pelos presidentes do Federal Reserve nas três últimas décadas. Paul Volcker assumiu com a missão de debelar a inflação, que ameaçava fugir ao controle. Alan Greenspan comandou o país em meio a seguidas crises não inflacionárias. Já Ben Bernanke, o atual presidente, defronta-se com o dilema: resgatar os endividados sem que isso signifique sinalizar com a idéia de que sempre haverá salvação para os delinqüentes financeiros. O economista Lakshman Achuthan resumiu a manobra de Bernanke: "É melhor gastar 150 bilhões de dólares agora do que torrar 500 bilhões mais tarde para combater os efeitos de uma recessão".

Com reportagem de Julia Duailibi e Cíntia Borsato


Foto: Mark Ralston / AFP
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