Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 22, 2008

Míriam Leitão - Segunda do medo



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
22/1/2008

O Brasil nunca esteve tão bem numa crise externa, e as empresas listadas na Bovespa perderam R$400 bilhões de valor de mercado em 20 dias. Como se explica? É que mudou a natureza das crises e aumentaram os canais de transmissão entre as economias. Ontem, 30 bolsas do mundo despencavam por medo da crise americana, enquanto os Estados Unidos folgavam no feriado cívico.

Nos últimos dias, a crise subiu um degrau: era a crise das subprime, as hipotecas de alto risco; agora virou a crise da recessão americana. Por isso, não são só as ações dos bancos que estão caindo. Outras ações também.

Os exemplos do Brasil mostram isso. Ontem caíam forte Vale e Petrobras. A Vale estava nas manchetes dos jornais do mundo comprando um ativo que pode ser de, no mínimo, US$60 bilhões. Ou seja, está compradora. A Petrobras estava em queda de 7% ontem à tarde. Caem pelo medo de que uma desaceleração mundial reduza o consumo de commodities.

As crises dos anos 90 eram de moeda. Exatamente há nove anos, em janeiro de 99, estávamos em apuros com o estouro do câmbio após a malsucedida tentativa de desvalorizar sob o controle do Banco Central. O dólar disparou, e o país mergulhou numa grave crise de confiança. Aquela era a primeira geração das crises globalizadas; já que houve um contágio da crise de confiança que atingiu outras economias com o câmbio controlado. Desta vez, é uma crise globalizada de última geração: independentemente do fato de o Brasil estar com bons fundamentos externos, estamos sendo atingidos. Num primeiro momento, o contágio é só nas bolsas; num segundo instante, pode afetar o ritmo de crescimento da economia.

O que o Brasil se orgulha de ter hoje - e foi, de fato, uma dura conquista -, como superávit comercial, superávit em transações correntes, alto volume de reservas, relação dívida externa/PIB baixa são os remédios para uma crise cambial. Agora não temos uma crise cambial, mas, sim, uma crise de crédito dentro da economia americana, que a está levando à recessão. Assim, dispomos dos remédios para a crise que tivemos há nove anos, mas não para a que está se espalhando hoje pelo mundo.

Para a atual crise, é difícil ter remédio, pois ela acontece no centro da economia mundial; e a tese do "descolamento" está ficando cada vez mais parecida com o sonho de uma noite de verão. Nestes primeiros dias do ano, a queda da Bovespa foi de 16%; a da bolsa da Inglaterra, de 13%; na França, caiu 15,5%; na Alemanha, 15,8%; no Japão, 12,9% e em Hong Kong, 14,4%. A Dow Jones caiu apenas 8,8% porque não teve o terrível dia de ontem, a segunda-feira do medo.

Hoje os canais de transmissão não são só os óbvios. Claro que, numa desaceleração global, as grandes empresas exportadoras vão perder mercado e, por isso, suas ações caem. Mas, num mercado tão globalizado como o de agora, qualquer ação pode sofrer o efeito - para o bem ou para o mal - do que acontece em outros países. Os grandes hedge funds, os grandes investidores compraram ativos em vários países como se fossem todos da mesma classe, indiferentes aos tais fundamentos. Se uma empresa de um setor qualquer cai em outro país, os seus "pares" aqui (empresas do mesmo setor) ficam relativamente mais caros. E, por isso, os fundos vendem as ações no Brasil para igualar os preços. Mesmo as empresas que não são exportadoras e vivem mais para o mercado interno podem ser atingidas se seus pares caírem em outros mercados.

Isso foi o que funcionou para cima, levando empresas às alturas, permitindo, no ano passado, 62 IPOs (lançamento inicial, abertura de capital); o dobro de 2006. O Brasil ficou cheio dos milionários de IPOs. E isso porque, na euforia da alta, todo papel era bem recebido. Hoje muitas dessas empresas estão valendo menos do que valiam no momento do lançamento. Veja o caso das empresas da área de frigoríficos, como Friboi ou Mafri; ou do mercado imobiliário, como as incorporadoras Even ou Inpar.

O dia de ontem deu novas dimensões à crise: teme-se agora que se abra uma nova frente. O pior teria passado em termos de prejuízo dos bancos; as seguradoras é que estariam para divulgar enormes rombos, pois estão carregando muito ativo podre. Por isso algumas delas estavam ontem com quedas de 10%, como a Swiss Re e Allianz, no mercado europeu.

Há um risco, em qualquer crise, de auto-alimentação do movimento. Agora está todo mundo se convencendo de que o problema financeiro americano é maior do que o imaginado, e isso leva a grandes perdas e redução de ativos no mercado financeiro. Quanto maiores forem as perdas, mais alimenta o pessimismo em relação ao problema. O mundo está atravessando essa onda. Mesmo que melhore mais dia menos dia, ainda vai demorar até se digerir todo este caroço.

No relatório "Global Risks Report", do World Economic Forum, eles afirmam que as mudanças na natureza dos riscos, nesta crise atual, vão impactar a sociedade e a economia mundial. "São riscos que não podem ser evitados; podem ser mais bem entendidos, administrados e mitigados." É isso. A natureza da crise mudou, o mundo mudou muito. Não adianta ter em nossa farmácia os remédios que nos livrariam da crise de nove anos atrás. É melhor ter bons fundamentos externos, mas não é o suficiente.

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