Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 26, 2008

VEJA Entrevista: Bruno Chateaubriand

"Ser gay não é opção"

Um dos anfitriões mais celebrados do Rio fala
sobre a sua condição de homossexual e diz
que gays ricos são mais bem-aceitos no Brasil


Juliana Linhares

Oscar Cabral

"A única opçãoque temos
é assumir o desejo por
alguém do mesmo sexo
ou ter uma vida paralela"

O carioca Bruno Chateaubriand Diniz Weissmann, de 32 anos, foi seis vezes campeão brasileiro de ginástica olímpica, apresentou um quadro de entrevistas no SBT e atualmente empresaria os ginastas Diego e Daniele Hypólito. Mas o que o tornou conhecido não foi nada disso. Bruno é célebre pelas festas que dá: o réveillon em seu apartamento no edifício Chopin, em Copacabana, é o mais disputado do Rio de Janeiro. O deste ano (com 300 convidados, que consumiram igual número de garrafas de champanhe Dom Pérignon) contou até com a presença da atriz italiana Monica Bellucci. Bruno se mostra alegre e irreverente quando o assunto é festa, mas se revela muito sério e lúcido ao falar sobre a sua condição de gay. Nascido em família de classe média alta (a avó materna era prima do magnata da imprensa Assis Chateaubriand), ele tentou negar a própria homossexualidade quando criança, por achar que gays eram "coisa de circo". Concluiu que seria impossível. Desistiu de namorar meninas, enfrentou a família e conheceu André Ramos, o empresário com quem vive há onze anos. Nesta entrevista a VEJA, ele fala de preconceitos – explícitos e disfarçados –, relaciona as limitações da vida de um casal homossexual e critica eventos como as paradas gay, que apresentam homossexuais como seres "exibicionistas, caricatos e que parecem viver sempre em clima de boate".

Veja – Quando você descobriu que não era igual aos outros meninos?
Bruno –
Desde a alfabetização, quando eu tinha 6 anos, e as crianças da escola me xingavam. Eu já sabia que havia algo de diferente comigo.

Veja – Como você reagia?
Bruno –
Corria para o banheiro da escola, me trancava e chorava. Acontecia quase todo dia, tanto que eu morria de medo de ir à aula. Era sempre muita humilhação. Quando eu chegava em casa, contava para a minha mãe que os meninos me xingavam, mas não tinha coragem de dizer do quê. Ela falava: "Dá um tapa neles".

Veja – Você teve namoradas?
Bruno –
Tive. Meu primeiro beijo foi em uma garota, quando eu tinha 12 anos. Aos 16, comecei a namorar firme uma colega de escola e cheguei a usar aliança de noivado. Transava com ela, tudo aparentemente normal. Mas, no fundo, sabia que aquela não era a minha essência. Só que tentava jogar esse sentimento para debaixo do tapete. Já tinha desejo por meninos, mas me perguntava: "Como eu posso estar sentindo isso?".

Veja – Você tinha medo? Vergonha?
Bruno –
Na minha cabeça, gay era uma coisa meio bacalhau de circo. Homossexual tinha a ver com transformista, com personagens circenses. E isso tudo sempre foi muito distante da minha vida. Minha mãe é museóloga, fui educado em bons colégios. Além disso, parte da minha família é paraibana. Tive uma criação supermachista e sou o único gay numa família de vinte primos. Quer dizer, talvez tenha mais um primo homossexual, mas ninguém fala sobre isso. Eu me lembro de que me desesperava no meu quarto. Deitava na cama e pensava: "Eu não posso ser isso, meu Deus! Tenho de gostar de mulher!". Eu era muito jovem, não sabia que existia a possibilidade de uma relação de amor entre dois homens.

Veja – Até quando seu tormento durou?
Bruno –
Até a faculdade. Cheguei a sair com várias meninas. Quanto mais escutava comentários, piadinhas de gente dizendo que eu era isso e aquilo, mais queria provar para mim mesmo que não era verdade.

Veja – Quando você teve a sua primeira experiência com um homem?
Bruno –
Aos 21 anos. Eu tinha um amigo mais velho que havia se assumido gay fazia pouco tempo. Quando eu soube, fui contra, disse que ele estava louco e me distanciei dele. Meses depois, eu o procurei e disse que achava que era igual. Ele, então, me levou a uma boate gay. Não demorou muito, um homem veio conversar comigo. Ao contrário do que acontece entre casais heterossexuais, com os gays tudo é mais rápido. Não teve muito papo, paquera, nada. Ele me deu um beijo na boca e eu fiquei ali, besta. Voltei para casa com vontade de vomitar tudo o que estava dentro de mim. Tomei um banho que durou quase uma hora. Esfregava com força meus braços, minha cabeça, passei sabonete várias vezes na boca, escovei os dentes outras tantas – tudo para tirar o cheiro daquele homem, para tentar me livrar de uma sensação de sujeira. Nesse mesmo ano, porém, saí com outros dois homens que não tiveram importância afetiva para mim. Logo em seguida, conheci o André, por quem me apaixonei. Vivemos juntos há onze anos.

Veja – Foi aí que você optou por assumir sua sexualidade?
Bruno – Você disse a frase certa: foi aí que eu optei por me assumir gay. Porque o homossexual não tem a opção de não ser homossexual. Não é que nós escolhemos gostar de homem. Ainda criancinha, se passassem à minha direita uma mulher linda e à minha esquerda um homem bonito, eu olhava para a esquerda. A única opção que o homossexual tem é assumir seu desejo por outra pessoa do mesmo sexo ou levar uma vida paralela. Quem não sabe de histórias de homens que são casados, têm filhos e mantêm um namorado escondido?

Veja – Como foi a reação da sua família quando você contou que era homossexual?
Bruno –
Foi horrível. Minha mãe se utilizava daquele artifício clássico de fingir que não vê que o filho é gay. Um dia, no meio de uma briga boba, ela soltou: "Você está muito diferente". Eu, que já não agüentava mais aquela situação, disse: "Por que ‘diferente’? Porque eu estou namorando um homem?". Ela disse que sim, e eu respondi: "Então, mamãe, acho que a senhora é que está com um problema. Deveria fazer análise". E ela acatou a sugestão. Hoje, a relação dela conosco é muito afetiva. Também foi difícil com meu irmão. Eu me lembro de que ele gritava: "Não sei por que você é assim!". Meu pai, de família austríaca, é o único que até hoje não me aceita. Dia desses, ele me escreveu uma carta horrível. Entre outras coisas, disse que eu deveria ficar feliz de ele nunca ter usado do pátrio poder para me proibir de ser gay. Como se ele pudesse fazer isso e como se eu pudesse escolher.

Veja – E a família do André?
Bruno –
Com o André, foi bem mais tranqüilo. A mãe dele sempre me tratou como filho e a avó dele me adorava. O pai morreu muito cedo, eu nem conheci.

Veja – Como foi o início do namoro?
Bruno –
Como o André herdou uma boa condição financeira, sempre tivemos uma vida muito confortável. Só no ano em que nos conhecemos, ele me levou nove vezes para fora do Brasil. Fomos para lugares como Inglaterra, França, Egito, Estados Unidos e Taiti. Viajamos também para assistir à cerimônia do Oscar, em Los Angeles. Essa foi a primeira vez. Depois, fomos outras quatro vezes. Nos primeiros meses de namoro, viemos morar neste apartamento de 400 metros quadrados, na Avenida Atlântica, ao lado do Copacabana Palace. Algumas vezes, o André me levava para viajar e dizia para eu ir sem mala. Chegávamos a outro país e ele comprava um guarda-roupa inteiro para mim. Minha mãe ficava aflita com tanto dinheiro. Ela achava que o André queria apenas se divertir comigo e depois iria me largar. Aos poucos, ela e toda a minha família viram o respeito que nós temos um pelo outro.

Veja – O fato de você ter se tornado rico contribuiu para que a sua família aceitasse a sua homossexualidade?
Bruno –
Não vou ser hipócrita: é claro que o dinheiro ajudou. Gay rico, no Brasil, é mais bem-aceito. Se eu não tivesse essa estrutura, teria virado, como dizem, "aquela bicha pobre". Mesmo para mim, o dinheiro faz diferença. Esta casa, por exemplo, é a minha proteção. Aqui ninguém me xinga. A nossa sociedade privilegia a posição social das pessoas.

Veja – Você se sente à vontade para demonstrar carinho pelo André em lugares públicos?
Bruno –
Não. O gay tem de desenvolver maneiras sutis de mostrar afeto. É um jogo de olhar, é um toque de corpo discreto. Do contrário, você corre o risco de fazer com que pessoas que não gostam de homossexuais se sintam agredidas. Na última festa de Ano-Novo, por exemplo, na hora da virada, nossa casa estava cheia de jornalistas, artistas, empresários. Embora tivesse vontade, não pude beijar o André, como faz qualquer casal.

Veja – Mas você estava na sua casa, cercado de amigos. Nem assim se sentiu à vontade?
Bruno –
Talvez eu ainda tenha um pouco de medo de ser motivo de chacota – aquele mesmo medo que eu sentia quando era criança. Acho que todo gay acaba desenvolvendo uma espécie de defesa. Quase todos nós temos um histórico de humilhações e piadinhas que ouvimos durante boa parte da vida.

Veja – Você ainda sofre preconceito?
Bruno –
Muito. Algumas vezes, quando vamos a eventos públicos, acontecem coisas desagradáveis. No último baile de Carnaval do Copacabana Palace, algumas pessoas que estavam do lado de lá do cordão de isolamento nos xingaram quando estávamos entrando. Não consegui reagir. Olhei para a frente e segui andando. Em programas de TV dos quais participo, volta e meia alguém da platéia grita alguma ofensa. No SBT, nunca sofri discriminação explícita. O Silvio Santos sabe que sou gay, mas nunca falamos sobre o assunto. Mas noto que, nas piadas sobre gays em programas humorísticos de qualquer canal, o preconceito é evidente.

Veja – Há muitos artistas gays na TV que não assumem essa condição?
Bruno –
Sim. Muitos apresentadores, diretores... Eles não assumem, porque têm medo de perder valor de mercado, de ter seu passe desvalorizado. Eu não acredito nisso. Estou investindo na minha carreira de comunicador (é formado em jornalismo pela PUC-RJ) e acredito que ser gay não vai me atrapalhar em nada.

Veja – Que outras manifestações de preconceito são comuns no seu cotidiano?
Bruno –
Uma das mais comuns é a da socialite que nos abraça e, aos berros, diz para quem está em volta: "Eu adoro este casal!". É claro que ela não está querendo nos agradar. Está é querendo mostrar para os outros quão nobre ela é de aceitar esses "alienígenas".

Veja – Vocês têm mais amigos homossexuais ou heterossexuais?
Bruno –
Heterossexuais. Mas não por uma questão de escolha. É simplesmente porque há mais heterossexuais do que gays no mundo. Um casal amigo fez uma cerimônia de casamento há pouco tempo e nos convidou para sermos padrinhos. Foi preciso fazer um trabalho de convencimento para que o padre que conduziu a cerimônia nos aceitasse. Tudo acertado, chegou a hora da festa. Os casais de padrinhos iam entrando e, quando chegavam diante do altar, dividiam-se: os homens seguiam para a esquerda e as mulheres para a direita. Na nossa vez, empacamos. Não tínhamos ensaiado nada. Senti um frisson no salão. O impasse durou alguns segundos, até que eu e o André nos olhamos e, sem dizer nada, fomos cada um para um lado. Eu para a direita, ele para a esquerda.

Veja – O que você mais gostaria de fazer e não pode?
Bruno –
Eu não tenho vontade de fazer um casamento escandaloso para chocar as pessoas, ou sair beijando na boca no meio da rua. Tenho vontade de fazer coisas simples, do dia-a-dia. Por exemplo: nós viajamos muito para o exterior e, na fila da imigração, sempre observo que casais heterossexuais se apresentam juntos na hora de mostrar os passaportes. Se há algum problema com um dos dois, o outro socorre. Nós não temos essa segurança. Sempre entramos separados. Também gostaria muito de ter um filho. Queremos adotar uma criança com síndrome de Down, mas sabemos que será difícil.

Veja – Mas há também vantagens em um casamento homossexual, não?
Bruno –
Claro. Numa relação heterossexual, a mulher sempre acaba sobrecarregada de funções. Isso porque, pelas normais sociais, é ela quem vai ao supermercado, ela é quem cuida de filho, da empregada etc. Na nossa casa, as tarefas são feitas por quem tem mais prazer em realizá-las.

Veja – O que você acha dos atos de afirmação homossexual, como as paradas gay de São Paulo e do Rio?
Bruno –
Acho que eles têm dois problemas. O primeiro é que são caricatos: fazem pensar que todo gay é exibicionista e vive em clima de boate. O segundo é que, em matéria de defesa dos direitos dos gays, essas passeatas não funcionam. Pelo contrário: aquelas cenas de homens quase nus se pegando e se beijando em cima de um caminhão podem fazer com que políticos e juízes pensem que somos todos promíscuos ou incapazes de adotar e educar uma criança.

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