Parece haver uma conspiração no governo Lula contra o governo Lula. O decreto de aumento de impostos divulgado no começo do ano travou o mercado de câmbio, teve que ser remendado, jogou o Itamaraty contra a Receita e foi um desastre de comunicação. Diante da ameaça de crise de energia, o governo responde com nomeações políticas.
Regras básicas do bom senso são desafiadas diariamente. Por exemplo: não se anuncia uma operação no mercado futuro de maldade, porque todos os potenciais atingidos vão se unir contra você. O governo anunciou, no primeiro dia útil do ano, que, em fevereiro, vai cortar gastos que atingiriam todos os poderes, as emendas de parlamentares, a contratação de funcionários e o reajuste do funcionalismo.
Obviamente aconteceu o que aconteceria: todos se uniram contra os cortes. Os parlamentares ameaçaram retaliação; os funcionários, greve; o Judiciário protestou.
Já se sabe agora o que não será cortado, mas ainda não se sabe o que será cortado.
Isso alimenta mais a pressão dos que não receberam ainda a promessa de estarem fora dos cortes. Um anúncio antecipado com alvos difusos faz com que todos se sintam ameaçados e formem uma coalizão contra as medidas. A resistência se fortalece. Elementar.
A resposta veio com o governo dizendo que 90% dos cortes serão no Executivo; poupando a maioria das emendas de parlamentares.
O pior é que acabarão sendo poupadas as emendas clientelistas.
Diante da falta de clareza sobre os cortes, o presidente tentou ser mais específico: — Vamos cortar na veia — avisou Lula.
Tomara que não! Dependendo da veia, morre-se em minutos. Recomenda-se ao presidente o uso dos clássicos — e seguros — “vamos cortar na carne” ou “vamos eliminar as gorduras”.
E que evite imagens tão sangüíneas e fatais.
O decreto de aumento de impostos foi uma trapalhada nunca antes vista neste país dos pacotes. Foi anunciado no primeiro dia útil de 2008; o decreto saiu 29 horas depois do anúncio; em menos de 24 horas já estava sendo corrigido com um outro decreto e ainda hoje cria confusão dentro e fora do governo.
O aumento do IOF no câmbio provocou um dia de paralisia no mercado financeiro.
Ninguém entendia as regras. Uma delas seria cômica, não fosse séria: o decreto saiu publicado às 21h do dia 3, com o mercado já fechado, mas estabelecia que as regras teriam que valer inclusive para o dia 3.
Esse foi um dos vários nós que travaram o mercado no dia 4 e obrigaram o governo a consertar tudo em novo decreto.
No texto, outra maluquice: a Receita aumentou, na prática, o imposto de importação de vários produtos, quebrando regras do Mercosul e da OMC. O Itamaraty protestou, e a Receita respondeu que eram salvaguardas. Ora, salvaguarda é um mecanismo usado em comércio internacional diante de situações bem específicas, e a OMC estabelece regras para a invocação desse direito.
Não é assim, sem mais nem menos, quando dá na cabeça de um burocrata da Receita. O Itamaraty teve um certo trabalho para explicar esse óbvio aos colegas.
Mesmo sem erros tão crassos, o pacote já seria ruim por promover uma fratura exposta da palavra do presidente de que não aumentaria impostos. Para corrigir, o ministro Guido Mantega disse o que disse (que a promessa do presidente era datada, valia apenas até o dia 31). Tudo parece conspirar contra o governo; principalmente o governo mesmo.
O episódio energético da semana passada foi lamentável.
Tudo começou quando o diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, fez o sensato alerta que, diante das evidências de redução do volume de chuvas, era melhor se pensar num plano B, e não descartou a necessidade de um racionamento.
Como a boa técnica de gestão ensina, os cenários ruins são feitos para que se possa evitá-los com medidas tomadas em tempo hábil.
O governo reagiu ofendido, como se Kelman fosse oposição, e não o que é: diretor de uma agência independente.
O ministro Nelson Hubner disse que Kelman era uma voz isolada dentro da agência. Ora, o ministro não tem que ir procurar supostas contradições dentro da agência reguladora.
E deveria se ofender mesmo é com quem pôs a palavra “interino” para ele carregar durante oito meses e agora o troca por um político que nada entende de energia.
Um conspirador não pensaria numa idéia melhor.
Diante de uma ameaça de crise de energia, o plano para enfraquecer o governo é: negar a crise; declarar peremptoriamente que “não será feita campanha para economizar energia” como se “economia de energia” fosse algo ruim; trocar um ministro médio, eternamente interino, por outro pior, que antes de chegar avisa que, se houver problema, será culpa de quem o antecedeu. O detalhe é que o novo, que será oficialmente anunciado esta semana, Edison Lobão, é afilhado do mesmo senador José Sarney, que escolheu o anterior, Silas Rondeau. Não sendo erro bastante, o governo aceita a pressão do PMDB para ocupar todos os postos estratégicos na área de energia. Nada melhor para a oposição do que entregar a mãos fisiológicas e tecnicamente despreparadas uma área sensível quando há indícios de crise igual àquela que desmoralizou o governo anterior.
O ano mal começou e o governo já tem uma coleção extravagante de erros, frases mal colocadas, equívocos estratégicos. Este ano promete. Não percam os próximos capítulos da autoconspiração do governo Lula.
Entrevista:O Estado inteligente
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