Embora a lenda reze que quem começa mal a corrida eleitoral em Iowa tem dificuldades no correr da campanha, a derrota da senadora Hillary Clinton para Barak Obama não sinalizou para os especialistas uma mudança de tendência, assim como a vitória do pastor evangélico Huckabee do lado republicano não o coloca como um favorito dentro do partido. A tendência continua sendo de uma vitória de Hillary na próxima semana em New Hampshire, repetindo o que aconteceu com seu marido, o ex-presidente Bill Clinton, que perdeu em Iowa, chegou em segundo em New Hampshire, o que foi considerado uma vitória, e a partir daí firmou-se como o candidato democrata. Mas, se Obama repetir o feito, aí sim se transformará em um fenômeno eleitoral.
Mesmo o segundo lugar de John Edwards não representa uma grande derrota para Hillary, já que Edwards, pelas análises iniciais, gastou todo seu fôlego e dinheiro numa tentativa de vencer em Iowa e marcar posição, e daqui para frente tenderia a murchar.
Thomas J. Trebat, diretorexecutivo do Instituto de Estudos Latinoamericanos da Universidade Columbia, em Nova York, diz que a vitória de Obama não foi uma completa surpresa, mas achava que haveria um empate entre os três democratas. Em New Hampshire, na semana que vem, ele acha que Hillary Clinton tende a se sair melhor, tem mais dinheiro, mais organização, o estado a conhece melhor, vai ser difícil Obama repetir a façanha.
O voto de Iowa foi um voto simbólico, o país está sinalizando mudança de rumo, também na parte dos republicanos.
Mas Trebat não acredita que Huckabee tenha organização suficiente para manter essa performance.
Ele lembra que Iowa é um estado onde os republicanos são mais conservadores, e a religião joga ali um papel importante (Huckabee é evangélico).
Ao mesmo tempo, seu principal opositor foi o ex-governador Romey, que é mórmon, e isso certamente pesou contra ele na região conser vadora.
Já Silvério Zebral Filho, diretorexecutivo do Centro de Estudos Interamericanos (CEIAM), lembra que Iowa é dos três estados americanos onde o voto evangélico tem maior força. Para ele, o pastor prestou um grande serviço ao ex-prefeito Rudolph Giuliani, causando dor de cabeça ao seu adversário direto no campo dos republicanos moderados da Costa Leste, o ex-governador Romey.
Thomas Trebat acha que quem se beneficiou com isso foi John MacCain, que ganhou uma chance de vencer em New Hampshire.
MacCain se distingue também da maioria dos candidatos republicanos, destaca Trebat, na sua posição mais flexível em relação aos imigrantes.
Os demais candidatos republicanos defendem uma política muito “anti-hispânica”, contra os imigrantes latino-americanos. Este é um assunto dominante na campanha, e os democratas admitem que é preciso encontrar uma saída para os cerca de 15 milhões de imigrantes ilegais.
Para Trebat, Giuliani está perdendo muita força porque representa uma política que está desgastada pelo governo Bush, baseada no combate ao terrorismo. Já Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Centro Internacional Woodrow Wilson, em Washington, acha que a guerra do Iraque tem uma repercussão negativa na opinião pública, mas não o combate ao terrorismo.
Ele acha que a tendência continua sendo a de uma vitória final do candidato democrata à Presidência, e continua acreditando que Hillary Clinton acabará se impondo devido à máquina eleitoral e à maior experiência.
Sotero chama a atenção para os perigos, para os democratas, do acirramento da disputa entre Obama e Hillary, o que poderia fazer com que abrissem o flanco para o adversário republicano. Levando o raciocínio ao extremo, só para mostrar como a política pode trazer surpresas, Sotero levanta a hipótese de o partido democrata, diante de um desgaste excessivo entre os dois, ir buscar o ex-candidato e Prêmio Nobel Al Gore para concorrer. Mas, dentro da normalidade, Sotero acha que Hillary Clinton será a escolhida pelos democratas.
Thomas Trebat acha relevante o comparecimento dos eleitores democratas ter sido duas vezes o dos republicanos em Iowa, o que confirma uma sensação de que a Presidência está mais próxima de um candidato democrata.
O fato é que Obama começou bem, e despertou os eleitores jovens, que há muito estavam longe da política. Só que, para consolidar seu perfil, ele teria que aprofundar um assunto do qual tem mantido distância até aqui: a raça.
Ele não faz campanha como um negro, embora um dos destaques da eleição seja a possibilidade de se eleger pela primeira vez uma mulher ou um negro.
Nessa faixa do eleitorado, inclusive, Hillary tem tido mais apoio da comunidade negra, enquanto Obama diz que os negros precisam ainda ter certeza de que ele pode ganhar.
Tomas Trebat diz que Obama não aprofunda a questão da raça porque ele tem condições de se dizer branco, pardo ou negro, já que sua mãe é uma americana branca do Kansas, seu pai é um negro do Quênia, uma situação singular nos Estados Unidos, onde ou se é branco ou negro.
Segundo Trebat, num estado como Iowa, onde nunca um negro se elegeu alguma coisa, a vitória de Obama pode significar que cada votante pode ver nele a cor que quiser. Silvério Zebral Filho, diretor-executivo do Centro de Estudos Interamericanos (CEIAM), ressaltando que Iowa não representa de modo algum o eleitorado americano, lembra que o senador afro-americano, filho de imigrante e que carrega um “Hussein” no sobrenome, conseguiu levar eleitores jovens às concentrações democratas e saiu-se com um resultado completamente fora do previsto, pior para o comando republicano, que prefere a ex-primeira dama como adversária.
A continuar este estado de coisas, diz ele, estaremos diante de uma eleição eletrizante, marcada pela clivagem entre jovens e adultos, negros e brancos, católicos do Leste versus evangélicos do Meio Oeste, o mais liberal versus o mais conservador.
Entrevista:O Estado inteligente
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