Para a primeira semana do ano, com apenas três dias úteis, pode-se dizer que esta semana foi intensa: o governo anunciou um pacote de aumento de impostos; as bolsas mundiais caíram; os bancos brasileiros chegaram a perder até 8% do seu valor de mercado; a economia americana deu mais um passo rumo à temida recessão, com dados mostrando aumento do desemprego. Há erros e riscos no pacote brasileiro.
O anúncio do pacote foi um desastre. Uma antiga regra de ouro foi desobedecida na Receita Federal: anunciar apenas o que já está escrito e bem calculado e com alguém para explicar imediatamente. Os ministros da Fazenda e do Planejamento deram uma entrevista na quarta-feira, às cinco da tarde, anunciando as medidas e, em seguida, os técnicos fugiram da imprensa; os decretos só saíram publicados no Diário Oficial, edição extra, 29 horas depois e ontem já estavam sendo corrigidos. Diante de um mercado de câmbio totalmente travado, a Receita anunciou que vai alterar o decreto que aumentou o IOF para as operações interbancárias de câmbio. Só para dar um exemplo da confusão da medida — já revogada — uma pessoa que precisasse fazer um câmbio financeiro em outra moeda que não o dólar teria que pagar, pelo menos, 4 IOFs.
Há risco de que o pacote acabe provocando queda de arrecadação. Quem alerta é o antigo xerife da Receita Federal Everardo Maciel.
Ele conta que o governo conseguiria o mesmo volume de aumento de arrecadação se subisse a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) de 9% para 10% para toda a economia, em vez de aumentar de 9% para 15% apenas para o setor financeiro.
— A CSLL é um imposto de renda. É a mesma coisa.
Por isso, devem-se somar as alíquotas de IRPJ, de 25%, com a da CSLL, agora em 15%. Isso dá uma tributação sobre a renda dos bancos de 40%; acima dos 34% que vigoram na maioria dos países.
Os estrangeiros não conseguirão compensar todo o imposto pago, uma parte vai virar mico. Vão se sentir supertributados para os padrões americanos. Os bancos nacionais podem entrar na Justiça, como estão ameaçando, reclamando de tratamento discriminatório.
Se conseguirem liminar, não terão que recolher nada, nem os 9% que pagavam antes. Isso provocaria perda de arrecadação. Do ponto de vista da segurança arrecadatória, é péssimo — afirma Everardo.
O aumento do IOF não foi neutro. Pesou mais a mão sobre o tomador de crédito pessoa física e taxou várias operações antes isentas.
Pelas contas de Everardo, criou-se a seguinte e estranha situação: até o terceiro mês de um empréstimo, o tomador de crédito pagará menos do que pagava com a soma do IOF e da CPMF.
Depois disso, passa a pagar mais, até chegar a 1,12 ponto percentual de acréscimo na taxa em um ano.
O que agradou a muita gente no mercado foi o anúncio de corte de gastos, mas, para os políticos, funcionários públicos e Judiciário, soou como uma ameaça cuja dimensão ainda é desconhecida.
O fato de ter sido divulgada a intenção, mas não os cortes, vai fortalecer a resistência dos poderes e da burocracia. Quem considera que os cortes de gastos são indispensáveis no atual momento ficou com a sensação de que era necessário ser claro sobre onde eles serão feitos. Ou seja, desagradou a todos.
O economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula, discorda do pacote: — Ele tem boas idéias e idéias detalhadas. As boas não são detalhadas, e as detalhadas não são boas. As boas são óbvias: mas como vão ser os cortes? De onde virão os R$ 10 bilhões de arrecadação extra? O governo sabia que estava subestimando a receita? No caso do aumento da CSLL, o governo usa um argumento econômico e um fato empírico.
Infelizmente o argumento é inadequado, e o fato empírico não bate com os dados. O argumento é que devem aumentar a contribuição de quem tem lucros maiores. Isso pune mais os mais bem sucedidos e gera incentivos perversos. Suposto fato: os bancos têm maior rentabilidade. Não é verdade.
Basta olhar o sumário das maiores empresas do “Valor Econômico” — diz Lisboa.
Há ainda um problema político. O governo diz que cortará os gastos, mas o Orçamento não está mais em suas mãos. Como ele poderá refazê-lo? Não será aumentando as resistências dos governistas e da oposição com um anúncio precipitado e que quebrou a promessa feita ao próprio Congresso dias antes.
Enquanto o Brasil tenta desembrulhar esse pacote, aumentam os sinais de que o mundo pode estar entrando em uma era de mais incerteza.
Ontem os dados de aumento da taxa de desemprego e de queda da capacidade de diversos setores de criar emprego nos Estados Unidos alimentou, mais uma vez, o temor de que o que está acontecendo lá é mais que desaceleração. Pode chegar a recessão. O próprio presidente George Bush veio a público, ladeado pelo presidente do Fed e pelo secretário do Tesouro, tentando acalmar o mercado, dizendo que, apesar da incerteza, os mercados “são fortes e sólidos”. Lá, como forma de proteger o crescimento, Bush pediu que o Congresso não aumente impostos.
O petróleo foi a US$ 100 nesta primeira semana do ano, fortalecendo os temores de inflação em diversos países. Aqui, a previsão do mercado financeiro é que os juros subirão ao longo do ano para conter a pressão inflacionária. E as medidas do governo acabarão se transformando em aumento de juros e dos custos dos financiamentos. Má hora para tal decisão.
Este ano vai ser diferente daquele que passou. Aparentemente mais difícil. Mas como está bem no começo, vale torcer pelo melhor.
Entrevista:O Estado inteligente
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