O Globo |
8/1/2008 |
O leitor deve estranhar o atraso, mas foi o recesso de fim de ano. No dia 20 de dezembro, estive na formatura de ensino fundamental de uma das minhas enteadas, Alice, e do primo dela, Pedro, na Escola Parque (mas o que experimentei ali, tenho certeza, também deve ter se repetido em cerimônias no Santo Agostinho, Ceat, Teresiano, Santo Ignácio e tantos outros). Assim que pus os pés no auditório, uma emoção enorme tomou conta de mim (e sei que o mesmo aconteceu com Antônio, o pai de Alice, com Patrícia, a mãe dela, e com todos os pais e mães ali presentes). A escola tem uma força em nossas vidas como muito poucas instituições têm. Tive que me controlar para não desabar num choro que, eu temia então, parecesse ridículo a muitos. Foi difícil. Eu via aquele bando de rapazes e moças e me lembrava da minha própria época, no Santa Rosa de Lima. É tudo muito igual. Reconheci naquele grupo todos os tipos que eu achava únicos quando eu era da mesma idade. Tinha o sujeito de oclinhos, com pinta de intelectual, falando pelos cotovelos. Tinha o cabeludão. Tinha o magrinho tímido-quase-desmaiando. Tinha o bagunceiro. Tinha a menina desinibida, tinha a mais retraída. Tinha todos os tipos. Foi um mergulho no passado. Os professores eram também os mesmos: o popular, o sério, o emotivo, o boa-praça, o jovem. Vendo todos os alunos sentados, à espera do diploma, eu os imaginava dali a seis, dez, trinta anos, mortos de saudades daquele instante. Minha vontade era gritar: "Aproveitem esse momento, aproveitem esse momento, aproveitem esse momento." Eram três turmas. Os oradores, dois por turma, eram brilhantes. Os primeiros, Daniel e Guilherme, revezavam-se numa espécie de jogral: o texto perfeito, engraçado, profundo, emocionado, mas com um timing excelente de comédia. Todo mundo ria com as tiradas, as piadas, todo mundo se emocionava com o carinho com que se referiam aos colegas, aos professores. Ouvindo-os, cheguei à conclusão de que a melhor prova de que uma escola funciona são os discursos dos oradores: se forem bons, se tiverem, além das vírgulas no lugar, lógica, mensagem, profundidade, é sinal de que a escola funcionou. E naquele dia foi assim. Ali, foi tudo perfeito. Os oradores seguintes, Nicolas e Maíra, foram um pouco mais sérios, mas igualmente emotivos. João e Morgana, os terceiros, optaram por uma linha diferente. Morgana conseguiu antever o que sentiriam dali a muitos anos, ressaltando a cumplicidade que todos dividiram por tanto tempo. Ela calculou, sentindo saudades por antecipação, os segundos que dividiram juntos: vinte e dois milhões, cento e setenta mil (ou algo assim), tempo à beça. João confessou logo que teve muitas dificuldades para escrever o discurso. "Sofri muito", ele disse, revelando que apenas poucos dias antes, no meio de uma noite, acordara, sentara-se à mesa e escrevera o texto, que versou sobre cosmologia e o absurdo da existência, especulando sobre o porquê de estarmos aqui e agora. Mas terminou virando-se para os colegas e admitindo: "Eu espero estar no coração de vocês porque vocês estão no meu coração." E ainda concluiu: "E eu aprendi a sentir isso com o meu pai." Caramba, e eu que pensava que ninguém mais tivesse coragem de dizer isso em público. Uma lição, para mim, surpreendente. Saí da cerimônia mais certo do que nunca de que a escola educa, prepara para a vida, dá os instrumentos fundamentais para que todos sobrevivamos, e sou grato à Alice e ao Pedro pela experiência que pude ter. Mas, por quanto tempo, em nosso país, apenas aqueles que têm dinheiro para custear seus estudos poderão usufruir de tudo isso? O professor Paulo Emílio Bouzan, um dos paraninfos, disse acertadamente que esperava que aqueles jovens pudessem rejeitar uma sociedade que reserva sempre o melhor para os vips (very important people), pois todos, sem exceção, devem ser considerados muito importantes (cito de memória). Uma mensagem que devia ser ouvida por todos. Mas quando? Não foi o professor Bouzan quem disse; sou eu que digo agora: o presidente Lula, com a melhor das boas intenções, mas equivocadamente, reserva R$10 bilhões para matar a fome de 54 milhões de brasileiros que, segundo as melhores estatísticas, não estão famintos. Não entende que melhor faria se destinasse uma pequena fração disso para matar a fome dos realmente necessitados, na casa dos milhares, para que o restante fosse todo usado em educação, a única coisa que realmente tira o pobre da pobreza. Mas não. Os números do censo escolar de 2006 (o último disponível) são aterradores: 75% das escolas de ensino fundamental no Brasil não têm sequer biblioteca, 91% não têm laboratório de ciências, 80% não têm sala de vídeo, 62% não têm computadores, 83% não têm laboratório de informática e 80% não têm acesso à internet. Sem mudar esse quadro, infelizmente, ainda vai demorar muito para que nossos milhões de crianças de escolas públicas possam ter a mesma experiência dos meninos e meninas das escolas parques de nossas grandes cidades. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, janeiro 08, 2008
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