Na crise que voltou a paralisar aeroportos, governo tinha obrigação de restaurar a cadeia de comando militar
A LENTIDÃO e a displicência do governo Lula perante a crise aérea terminaram por levá-la a um patamar inaudito. O motim que paralisou todos os aeroportos brasileiros na sexta, em atitude de aberta insubordinação militar, é a conseqüência da condução sindical empreendida pelo presidente da República desde o início do transtorno endêmico na aviação, há seis meses.Enquanto Lula seguia no seu confortável Airbus para Washington, os saguões dos aeroportos do país se apinhavam de gente, mais uma vez. Controladores militares simplesmente cruzaram os braços -são impedidos por lei de fazê-lo- e iniciaram uma greve de fome. "Reivindicavam" uma gratificação salarial e a suspensão dos remanejamentos de líderes da rebelião.
O ministro Waldir Pires, a essas alturas o símbolo da incompetência governamental, reagiu com a vagareza de sempre. Em plena tempestade, prometeu enviar um relatório com os diagnósticos sobre a crise "em 10 ou 15 dias", acrescentando "no máximo". Para completar, por telefone o presidente Lula ordenou a seus ministros que cedessem à extorsão dos amotinados, desautorizando o comando da Aeronáutica, que se aprestava a punir os líderes da sublevação.
Os ânimos dos controladores, registre-se, haviam sido previamente excitados com novas promessas, feitas pelo Executivo, de retirar o serviço da alçada militar. Os inconseqüentes sindicalistas que povoam o governo federal ainda não conseguiram entender o estrago que a sua atitude produz nas Forças Armadas, instituição cuja natureza está assentada na hierarquia.
Ainda que o governo pense em cometer o erro de mudar de mãos o controle de vôo, transferindo-o para o âmbito civil, é um despropósito tomar uma decisão dessa gravidade sob ameaça. Sua obrigação imediata era restaurar a cadeia de comando militar. Até poderia ter acenado com contrapartidas materiais, mas precisaria ter erradicado a insubordinação e punido os infratores.
Ao menos alguns contrapesos institucionais ao comportamento desastrado do Executivo nessa crise começam a funcionar. Agiu bem, e de acordo com a melhor tradição do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello ao determinar que a Câmara desarquive o pedido de criação da CPI sobre a crise aérea. Trata-se do primeiro passo para anular uma manobra da base governista e assegurar o direito da minoria.
A aceleração da crise deverá levar a coalizão do governo a rever sua posição de confrontar o interesse público. Parece inevitável a instauração já nesta semana da CPI do tumulto aéreo.
A crise também foi deflagrada, decerto, por razões estruturais. Nos últimos anos, explodiu a procura por transporte aéreo sem a devida ampliação da infra-estrutura; foi à falência a maior empresa de aviação do país.
Mas nada disso torna tolerável um movimento que só não configura uma verdadeira quartelada porque, em vez de contestação político-ideológica, o que o define é a chantagem corporativa.