Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 21, 2006

Uma nova capital nas estepes

Dubai da estepe

Dinheiro do petróleo paga
extravagâncias na nova
capital do Cazaquistão


Denise Dweck

Joseph Sywenkyj/The New York Times
Centro da capital Astana: 7 bilhões de dólares gastos em novos projetos de arquitetura


O dinheiro farto do petróleo alimenta todo tipo de extravagância. A lista inclui as torres de vidro e aço no deserto de Dubai, o sinistro projeto nuclear dos aiatolás iranianos e a autopromoção mundial do histriônico Hugo Chávez. Um caso menos conhecido de esbanjamento ocorre neste momento nas estepes da Ásia Central: a construção de Astana, a nova capital do Cazaquistão. O país é imenso (tem um terço do território brasileiro), escassamente povoado (15 milhões de habitantes), e sua economia cresce ao ritmo chinês de 9% ao ano desde 2000. A prosperidade se deve sobretudo à exportação de petróleo, mas também às reformas econômicas, às boas colheitas e aos investimentos estrangeiros. Usufrui ainda estabilidade política, se é que se pode definir assim um regime autoritário e personalista. Em 1991, quando a União Soviética enrolou a bandeira e o Cazaquistão se tornou independente, o chefão comunista Nursultan Nazarbaiev conservou o poder. Ele se reelege periodicamente e os oposicionistas que reclamam vão para a cadeia. A decisão de criar uma nova capital é, evidentemente, de Nazarbaiev.

Os edifícios, museus, teatros, hospitais e condomínios residenciais de Astana (significa capital em língua cazaque) estão sendo erguidos sob a coordenação e a inspiração do presidente, que muitas vezes é o próprio arquiteto. Talvez isso explique o gosto duvidoso de algumas construções. No ponto mais central da cidade, Nazarbaiev mandou instalar na cúpula de uma torre de 97 metros de altura um molde cunhado em ouro da própria mão. Numa interpretação um tanto forçada de uma lenda cazaque, tocar na mão de ouro dá sorte. A obra mais recente, inaugurada no mês passado, é uma pirâmide de 62 metros de altura e 25 andares. O projeto, que abriga uma sala de ópera, uma universidade, um museu e escritórios, é do arquiteto inglês Norman Foster, criador da torre Gherkin (aquela que parece um ovo azul), em Londres, e da cúpula de vidro do Parlamento alemão, em Berlim. Impressiona a rapidez com que a pirâmide de Astana foi construída. Dos primeiros esboços à inauguração passaram-se apenas dois anos.

Fotos Talgat Galimov/Reuters, Reuters e Joseph Sywenkyj/The New York Times
Festa de inauguração da pirâmide de Foster, acima. À esquerda, Nazarbaiev mostra maquete de Astana ao colega russo Vladimir Putin. À direita, molde em ouro da mão do presidente cazaque: caprichos

Diferentemente de Brasília, a capital cazaque não obedece a um conceito estético definido. O projeto urbanístico foi encomendado ao arquiteto japonês Kisho Kurokawa e os primeiros prédios foram feitos no estilo monumental soviético, pesados blocos retangulares de concreto. Depois, Nazarbaiev percebeu que a arquitetura moderna lhe daria maior visibilidade internacional. Aí sua imaginação voou alto. Já pediu a Foster, o arquiteto da pirâmide, uma réplica dos jardins suspensos da Babilônia. O arquiteto italiano Manfredi Nicoletti projetou para Astana uma sala de concertos em forma de barco, já em construção. Foram gastos até agora 7 bilhões de dólares no canteiro de obras. É um enorme desperdício de dinheiro num país cheio de problemas sociais, como favelas, e um serviço de saúde notório por sua precariedade, mas nada disso afeta o prestígio do presidente. "Como a economia vai bem, a popularidade de Nazarbaiev continua em alta", disse a VEJA o cazaque Almaz Tolymbek, da Universidade Estadual de Kent, nos Estados Unidos.

A conta é paga com o lucro do petróleo, que representa um terço do produto interno bruto (PIB) do país, de 56 bilhões de dólares. O Cazaquistão tem a maior reserva petrolífera da região do Mar Cáspio e as exportações explodiram depois da abertura de um oleoduto até o Mar Negro. Há duas justificativas oficiais para a mudança da capital. A primeira é que a antiga sede do governo, Almaty (Alma-Ata nos tempos soviéticos), está em região vulnerável a terremotos. A segunda é o fortalecimento da unidade nacional, integrando politicamente a parte nordeste, povoada sobretudo por descendentes de imigrantes russos. A explicação mais convincente é mesmo a de que se trata de um capricho do presidente.

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