Para barrar a interferência política nas decisões das agências reguladoras e o processo de controle de sua gestão pelo partido que esteja no governo – o que vêm assustando os investidores e retardando muitos projetos empresariais –, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) já tem pronto o texto de um projeto de lei para ser encaminhado ao Congresso. Pretende entregar o documento em novembro, quando, conhecidos os resultados do segundo turno das eleições, “os parlamentares estarão voltando efetivamente ao trabalho”, como disse o vice-presidente-executivo da entidade, o ex-ministro do Planejamento Martus Tavares, em entrevista à colunista do Estado Sonia Racy.
A incerteza que o atual governo gerou com relação à atuação e ao papel das agências reguladoras é fonte de grande preocupação, por exemplo, entre empresários e executivos da área de telecomunicações, como ficou claro na semana passada durante a realização da Futurecom, em Florianópolis. São grandes as perspectivas de investimentos em novas tecnologias nessa área, mas a falta de definições claras para a ação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a indicação de conselheiros de acordo com critérios político-partidários e não técnicos, como deveriam ser, e a insistência com que o Ministério das Comunicações tenta interferir em suas decisões paralisam os projetos das empresas.
Além dessa tentativa de ingerência direta nas decisões, o governo procura cercear o trabalho das agências asfixiando-as financeiramente. Libera apenas uma parte dos recursos a que elas têm direito, o que resulta em inoperância, como denunciou durante a Futurecom o conselheiro da Anatel Luiz Alberto da Silva. Falta dinheiro para a contratação de consultorias necessárias para assessorar a agência em grandes decisões, a participação de seu corpo técnico em reuniões internacionais é reduzida e até a fiscalização é afetada.
O caso da Anatel é o que, nos últimos tempos, mais tem gerado preocupações no meio empresarial, mas ela não é a única agência que passa por dificuldades desse tipo. Com maior ou menor gravidade do que o caso da Anatel, outras agências também enfrentam problemas por causa da intenção do governo Lula de transformá-las em mera extensão dos Ministérios das áreas em que atuam.
“Nossa preocupação é que as agências funcionem como órgãos do Estado, não de governo”, disse Tavares há alguns dias à repórter do Estado Lu Aiko Otta, ao explicar os objetivos e as linhas gerais do projeto da Fiesp. “O diretor da agência é um servidor do Estado, não do governo. Sua atuação não pode ser pautada por questões partidárias ou ideológicas.”
Este é o princípio no qual se baseou o governo Fernando Henrique para criar as agências, e que deve ser firmemente seguido para lhes garantir as condições indispensáveis para desempenhar seu papel, que é o de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pelo governo e por empresas privadas, inclusive com relação a metas de atendimento, qualidade dos serviços e tarifas adequadas. Só assim, o investidor particular se sentirá seguro para aplicar em projetos de longa duração, e o usuário, protegido.
Quando o governo intervém nas agências, o investidor se retrai, observou Tavares. Recentemente, o economista Gesner Oliveira estimou em US$ 10 bilhões os investimentos em infra-estrutura que deixam de ser feitos anualmente no Brasil por causa da fragilidade das regras e do enfraquecimento das agências reguladoras.
É exatamente esse quadro que, com seu projeto, a Fiesp quer modificar. O texto garante total autonomia das agências em relação aos Ministérios – a estes cabe a definição da política, mas a normatização e a fiscalização são tarefas das agências –, impede o bloqueio das verbas típicas das agências, cujas finanças serão previamente auditadas, e exige que seus dirigentes sejam pessoas com conhecimento técnico da área e tenham seus nomes submetidos a consulta pública por 30 dias, antes de sua aprovação.
Desde 2004 se discute um projeto, de iniciativa do Executivo, sobre o assunto. É um texto polêmico, que já recebeu mais de uma centena de emendas, mas continua insatisfatório. Com seu projeto, a Fiesp pretende substituir o que tramita com lentidão no Congresso.