Parecia, mas era o contrário |
Artigo - Jarbas Passarinho |
O Estado de S. Paulo |
3/10/2006 |
Comparar o que o líder sindical Lula da Silva dizia há 15 anos com o que faz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é perder tempo no cipoal da enganosa verborragia atual. O velho provérbio latino verba volant scripta manent jamais perderá a sua veracidade. De fato, as palavras o vento as leva, mas se escritas permanecem. Lula e FHC servem bem ao caso. Lula, incoerente, faz no governo tudo o que condenava no passado. Sua logomaquia abundante vale hoje o que valia ontem: nada, o vento leva. Fernando Henrique, pela evolução do pensamento, rejeitou a Teoria da Dependência, escrita pelo então jovem e talentoso sociólogo, porque a teoria de fundamento marxista perdeu a significação a partir do momento em que o Muro de Berlim desmoronou. “O mundo mudou”, justificou-se. Elogiável mutação. Um exemplo mais forte da mudança por evolução é o de Mikhail Gorbachev. O autor da perestroika e da glasnost, que se dedicou a transformar o regime de totalitário em democrático, em suas memórias afirma: “De uma maneira geral, a antinomia socialismo/capitalismo, que se impôs desde a segunda metade do século 19, me parece, hoje, caduca.” Fernando Henrique deve também ter considerado caduca a antinomia socialismo/capitalismo e fez as pazes com Max Weber, afastando-se de Marx, exceto, decerto, do jovem Marx, mas de O Capital. Essa coragem intelectual lhe valeu a raivosa campanha capitaneada pelos anacrônicos, incapazes de reconhecer que o homem é a medida de todas as coisas. Já escrevi muito sobre a personalidade de Lula. Reconheci-lhe méritos quando dizia que o brasileiro não precisava de esmolas, referindo-se à política assistencial do governo tucano (Bolsa-Escola, Vale Gás, Auxílio-Alimentação), pois, afirmava, o povo precisava era de emprego. Aplaudi parte de sua política externa. A propósito, tenho correspondência cordial com o embaixador Celso Amorim, quando nos representava na Organização Mundial do Comércio (OMC) e defendeu a Embraer ante os canadenses. Defendi da tribuna, contra o Centrão, o direito de greve, na Constituinte, ao atender ao deputado Inocêncio Oliveira, que me procurou em nome do PT. Acompanhei, sem êxito, a investigação sobre a dívida externa. E nunca esqueci sua presença, com Genoino, no enterro de minha querida esposa. Mas sempre lhe critiquei a veneração por Fidel Castro. Desde que é presidente, prefiro refletir sobre os testemunhos dos que, antigos companheiros seus, dele publicam críticas. A mais recente que li no Estadão foi da lavra do consultor de empresas José Danon, que eu não conheço, em carta a Chico Buarque. Minhas concordâncias com seus críticos podem ser até indesejáveis por eles, pois fui ministro durante o regime autoritário. Isso pode ocorrer com Chico Buarque, mas, parodiando sua letra à música ao tempo de Ernesto Geisel presidente, direi que “ele pode não me apreciar, mas seu pai me apreciava, quando ministro em 1971, como prova cordial dedicatória no clássico Raízes do Brasil”. Da carta do seu amigo a ele, cito a síntese: “Acho que votamos no Lula que não era, aí veio o Lula que era e nos pegou.” Por que o “Lula que não era”? Porque “deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os companheiros que erraram, quando a corrupção é descoberta”. Cita nominalmente desde os “os zédirceus, os marcosvalérios, os delúbios, os waldomiros, os freuds”, aos quais acrescentaria, “se fosse o caso, mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante, desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia”. Outro, que se enganou foi o poeta Ferreira Gullar: “Nada se igualaria ao grau de corrupção que se verificou durante o governo Lula, com o valerioduto, o mensalão, envolvendo alguns dos mais importantes membros do partido e do governo. O escândalo foi de tal ordem que muitos deputados petistas se desfizeram em lágrimas no plenário da Câmara Federal ao ouvir as denúncias que degradavam a seu partido. Em face disso, Lula, que tudo sabia, tratou de afastar os culpados, após declarar que de nada sabia. Ninguém acreditou, já que Lula mandou e desmandou no PT, tendo colocado em postos-chave pessoas de sua estreita confiança. Basta o testemunho de César Benjamim, ex-dirigente e ex-fundador do PT, para eliminar qualquer dúvida. Ao perceber os primeiros sinais de corrupção e levá-los ao conhecimento de Lula, ouviu dele esta advertência: “Não se meta nisso.” Hélio Bicudo, incorruptível, fundador do PT, ao desligar-se do partido afirmou que Lula sabia de tudo e “esconde a sujeira embaixo do tapete”. Clóvis Rossi é mais um desalentado. Ao comentar o último debate dos candidatos à Presidência da República, a que não compareceu Lula, assim conclui sua crônica, na Folha, do dia seguinte: “O último ato do processo eleitoral acabou servindo, acima de tudo, para confirmar que o governo Lula criou um pântano político talvez inédito.” Já agora, com os testemunhos de preeminentes ex-petistas, é a moral do próprio Lula posta em dúvida, a que retrata como complacente. Para muitos, nada obstante as provas, ele continua virgem como as vestais. Ficaram com Lula, mas não conseguiram fazê-lo cumprir a sua arrogante promessa de vencer logo no primeiro turno. Voltarão a tocar na tecla surrada e paranóica de que foi produto do golpismo das elites a sua derrota nesta fase das eleições, o que deixa para mais 28 dias o julgamento final. Seguramente, agora ele não poderá eximir-se de debater, para responder a um adversário sereno, o porquê da corrupção petista, que, de tão repetida, já não escandaliza a Nação quase anestesiada. Terá de explicar, servido pelo criminalista que o tem tanto defendido no Ministério de Justiça, por que a lama soterrou a esperança. |
Entrevista:O Estado inteligente
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